Arquivo do dia: janeiro 28, 2011

Foi assim….-IX-

avmayo

Mi Buenos Aires querido
Às vezes tem gente que curiosa e burramente me pergunta qual a razão do meu gostar por Buenos Aires. E ao lhes contar do apoio, da solidariedade e do carinho recebidos como apenas um dos motivos, ficam espantados. Além de tudo isso, ainda há a própria cidade. Talvez muita gente possa não gostar de Buenos Aires, afinal de contas, ainda que a exemplo de quase todas as grandes cidades do mundo seja possível o exercício do “comprismo”, o seu forte são os cafés, as livrarias, os cinemas, os teatros, os vários museus, as galerias de arte, os restaurantes e as casas noturnas de tango. Mas, na verdade, é a cidade com seus habitantes, edifícios, praças, parques, casarões e casas que a tornam bela e cativante.
É realmente muito difícil para brasileiros educados e formados no utilitarismo ianque, que foi a marca ideológica e cultural das ditaduras do século XX, mas que ainda persiste no consumismo e na superficialidade das relações humanas ou artísticas da América Latina, aceitarem que uma cidade, um espaço urbano, por si só, tenha o poder de mitigar as dores e curar feridas. Talvez fosse algo difícil de ser conseguido em Montevideo ou Santiago do Chile, cidades que às vezes visitava para papear com velhos companheiros e alguns amigos. Entretanto, aos poucos a cidade foi me dando o anestésico para aquela dor, não que a tristeza tivesse desaparecido, mas, a dor aos poucos estava a sumir. Foi o que me aconteceu.

Cafe_Tortoni
Creio que a diferença e o fator essencial, por mim sentidos, estava na grande característica da cidade e do país, que foi terem construído e organizado seus centros urbanos para as pessoas, como área de lazer massivo, em que a diversão, a informação e cultura harmoniosamente se entrelaçam com cafés e restaurantes. Além disso, para fazer com que todo esse cuidado se tornasse permanente, transpuseram como um padrão cultural e de viver, certos savoir vivre et savoir faire típicos de uma Europa mítica, alegre, nostálgica e humanista. A Europa dos sonhos de qualquer um.
É isso, Buenos Aires é a Europa latino-americana, em que o Novo Mundo dá uma maior dimensão ao sonho, faz da utopia algo tangível e perfeitamente possível. É claro que tudo isso não estava e nem era permitido a todos. Uma inclusão que foi se tornando realidade a partir dos anos de 1940/50, quando há o aumento no padrão de vida de los descamisados, o gradual aumento e força da classe operária e dos setores mais humildes da pequena-burguesia. Se agregarmos a isso o forte impulso da educação pública, em termos de qualidade e quantidade de estabelecimentos fundamentais, secundários, colegiais e superiores, teremos um forte incremento das atividades que marcarão o distrito federal como um centro de lazer, de cultura, administrativo e político. Naquele ano de 1966, segundo o testemunho de alguns porteños e estrangeiros, o quadro já apresentava sinais de deterioração, principalmente pelo avanço da crise econômica e pelo desemprego que estava a ser um fenômeno constante.
Esta minha visão ainda permanece, em que pese os inauditos esforços de uma elite predadora (há elite diferente?!) que tudo faz para que o belo país platino tenha a configuração social e orgânica das antigas haciendas y sus terratenientes. Ao ler livros, revistas e jornais argentinos de outros tempos foi que entendi porque a industrialização tinha pouco prestígio social e político como representação nacional. Nem sempre fora assim, entretanto, esse modo de ver as coisas volta a ser um padrão após a queda de Juan Perón em 1955, que desde 1943 tentava criar um parque industrial nacionalizado como forma de garantir a continuidade das políticas públicas sociais capazes de produzir “la justicia”, daí o nome Justicialismo para o Peronismo. Com a derrubada (el derrumbe) de Perón é dada a partida para o desmonte (el desplome) do projeto nacionalista e do Estado de justiça social estruturados por Eva e Juan Perón. A linha adotada pelos defensores da “democracia”, por isso golpearam quem tinha sido reeleito, foi de total alinhamento político com os Estados Unidos e de completa subordinação aos projetos econômicos estratégicos que fossem urdidos em Washington ou Wall Street ou na City londrina.

argentinagolpede1955
Enquanto no Brasil a linha seguida pelos militares pós 1964 era a de um Capitalismo de Estado a serviço do grande capital estrangeiro, o que assegurava a existência de indústrias de bens de capital, na Argentina os rumos eram bem outros. Lá era necessário destruir as bases do Estado. Um Estado onipresente na economia, por isso capaz de interferir com força e vigor nas metas de produção e de crescimento do país. Era uma situação intolerável para aqueles que viam o mundo maniqueísticamente bipolarizado e acreditavam que qualquer alternativa nacionalista de buscar um futuro distante daquele dilema era um sacrilégio e um crime. Foi nesse país cheio de contradições e fortes tensões político-sociais que encontrei a tranqüilidade. O meu envolvimento com a política argentina tem início com a minha vontade de conhecer melhor o que acontecera alí no rio da Prata. Como a minha maior curiosidade era o Peronismo, comecei os meus estudos sobre a política argentina tendo como base a “década infame”, os anos 30 do século passado. Nesta década de trinta, a vida política argentina estava falida tal a quantidade de fraudes e escândalos financeiros envolvendo toda a elite do país, juntamente com seus aliados estrangeiros. Um quadro bastante grave, capaz de motivar um golpe de Estado, mas incapaz de produzir um sério enfraquecimento desse poder. Um poder que só seria verdadeiramente abalado anos depois quando do surgimento de Perón e a transformação do peronismo em expressão política das massas.
Perón surgirá com os setores populares e ao oficializar os sindicatos, a um só tempo, atraiu os trabalhadores para o seu lado e criou uma vinculação que vai ser a sua força e principal instrumento de ação política, mediante um movimento sindical do tipo para-estatal.
O surgimento de Perón na cena política se dá a partir dos anos 40. Em 04 de junho de 1943, num dos golpes militares desse século, o General Pedro Ramírez ocupou o governo. Ramírez pertencia ao GOU2 (grupo secreto) que contava com Perón entre seus membros. Uma vez no governo, Ramírez decretou a dissolução dos partidos políticos, implementando uma política indefinida, complicada ainda mais pela pressão de ter que tomar uma posição diante das potências mundiais em guerra.
Perón, nessa conjuntura, foi nomeado chefe da Secretaria de Trabalho, cargo a partir do qual começou a promover sua estratégia de inserção popular, até que é demitido e preso, o que irá determinar o seu retorno por pressão das massas trabalhadoras e segmentos militares nacionalistas. Assim, por meio destes primeiros eventos históricos da carreira política de Perón, consolida-se um partido político, um bloco feminino e um conjunto de organizações sindicais que, junto ao apoio popular, deram forma ao chamado movimento peronista ou justicialista.
A aparição do peronismo constitui um momento da história argentina em relação ao qual, muitas vezes, destaca-se a ruptura com o sindicalismo tradicional e o ingresso das massas populares como protagonistas da ação política. A novidade fica a cargo da estratégia política de Perón, que desviou o percurso que a esquerda vinha desenvolvendo no terreno sindical, sempre reivindicativa e com os olhos fitos numa revoluçãp, que era mais um desejo, que uma realidade em processo de organização. Perón soube canalizar a visão nacionalista e as lutas reivindicatórias como integrantes de um mesmo processo.
Assim, trouxe para o âmbito estatal, o diálogo com as corporações trabalhistas. Criou uma estrutura sólida e essencial para articular os interesses vindos das bases operárias com aqueles que decorriam dos setores dominantes tradicionais.É importante enfatizar que se não fosse a formidável capacidade organizativa e política de Maria Eva Perón, talvez nada tivesse acontecido de significativo.

Os governos tradicionais, conservadores e liberais que antecederam a época peronista viam com maus olhos a organização dos trabalhadores em sindicatos. Desde finais do século XIX, não demoraram a chamar os sindicalistas de provocadores, subversivos a serviço de potências estrangeiras. Perón, ao contrário, ensinou-lhes que estava na hora de aceitarem a organização sindical como na maioria dos países europeus, e ainda, no outro extremo, instava aos “de baixo” que transformassem as organizações sindicais em organizações formais, que fizessem parte do próprio Estado. Assim, os sindicatos que não simpatizavam comessa “oficialização/estatização” proposta por Perón, na maioria compostos por socialistas e comunistas, eram desprezados, enquanto os que se integravam passavam a ser beneficiados pelo Estado.
Entretanto havia algo que precisava ser explicado, o papel e a contribuição de Maria Eva Duarte ao Peronismo. Não me bastaram os documentários, livros e velhos jornais, procurei ouvir testemunhos. De início também fui acometido da mesma doença que ataca a muitos jornalistas, considerar impossivel o que me contavam.

  

  Era difícil crer que uma mulher do povo, de origem rural, pudesse ser a fonte do que havia de mais progressista em termos de visão do próprio país e da América Latina. Entretanto era a verdade, uma verdade que tinha dificuldades para aceitar. É claro que havia o meu ranço do Partidão e àquela deformação de querer explicações dentro de um figurino, como freios para a real compreensão política daquele momento da história argentina. Hoje, passado muitos anos, tenho a certeza de que a minha visão sobre a Eva Perón foi alterada depois que conversei com alguns sindicalistas de esquerda, oriundos do PCA, mas que naquela época faziam parte de um movimento sindical e político ligado ao peronismo.

O Governo Ongania, por sua íntima ligação com a Opus Dei e os setores mais reacionários da sociedade argentina, embora tenha sido rico em repressões e violências com os movimentos populares, num certo sentido foi apenas um ensaio daquilo que viria depois nos anos 70, quando o terrorismo de Estado passa a ser um dos componentes na política de expansão imperialista e de suas políticas econômicas. Como o peronismo era o real divisor de águas, o seu comportamento, quase que didaticamente, vai acompanhar, em termos de crescimento político e até de divisões internas, o próprio processo histórico e o aguçamento das contradições da sociedade platina. Para se entender o que passou na Argentina daqueles dias, nada melhor do que o depoimento do filósofo José Pablo Feinman, que é um peronista de quatro costados:
El trágico camino al golpe de Videla:
Pese a las influencias guevaristas, la izquierda peronista surge otorgándose una política de masas. John William Cooke, en Cuba, le había dicho a Guevara que, para hacer la revolución en la Argentina, no era necesario el foco insurrecional. Estaban las masas peronistas. Guevara no le creyó. O, al menos, no fue seducido por esa interpretación. Su idea acerca del peronismo no era la de Cooke. Jamás hubiera llegado a creer que Perón podía transformarse en un revolucionario. Tal vez tampoco Cooke lo creyera. No “exactamente” así. Cooke creía lo que luego creyeron los cuadros más lúcidos de la izquierda peronista: había que trabajar “con” las masas peronistas, había que crearle hechos revolucionarios a Perón y llevar al país a una situación insurreccional a la cual Perón –más allá de sus preferencias idológicas- no tuviera más remedio que dar su acuerdo. Como vemos, la praxis inicial de la izquierda peronista es una praxis de masas. Se identifica con Perón y el peronismo porque quiere hacer la revolución con las masas. La identificación con el peronismo implicaba un claro rechazo a la teoría del foco insurreccional.”

bastoneslargos
Viver na Argentina e na América do Sul naquele período, ainda que fosse ruim e trágico, ensinou-me mais do que milhares de livros. Foi alí e naqueles tempo que comecei a aplicar o materialismo dialético como um método para a prática e o pensar político o tempo todo, como uma segunda natureza. Aquela parte do mundo, parecia uma miniatura do mundo em termos de economia política, assim, para entender o que acontecia a meu redor, era preciso um novo modo de interpretar o mundo, tanto a partir do geral, quanto do mais particular do particular. Com a vantagem de que uma nova história estava a ser escrita muito além daquilo que os intelectuais e teóricos poderiam entender. Fator que conformou e consolidou o que era apenas uma simples teoria. Foi, pois, nesse torvelinho de emoções e aprendizados que decidi voltar ao Rio, pois, além de estar com muitas saudades da minha família, precisava saber o que realmente acontecia no Brasil. Levei uns três meses me organizando, pois, além de dinheiro, precisava ficar com a barba e os cabelos compridos.
Pretendia viajar via Montevideo, de ônibus até Porto Alegre e de lá seguir de avião para o Rio. Lembro até hoje de como estava vestido. Jaqueta de pele de gamo, calça lee, botas de couro marrom compradas na mais chique sapataria porteña e uma bolsa de pele de gamo, para combinar com o casaco, compunham o meu disfarce de hippie rico. De Buenos Aires para Montevideo não havia problema algum, principalmente porque estava com documentos argentinos e sabia que ninguém lia muito os dados.

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Em Montevideo não havia rodoviária, as passagens tinham que ser adquiridas nos guichets da empresas. Assim, após comprar a minha passagem, resolvi esperar num café quase em frente ao ponto de partida do ônibus. Escolhi uma mesa e pedi café, como ainda demoraria um pouco, fui ao banheiro. Ao voltar, vi que na minha mesa estava sentada uma linda jovem ruiva, uma autêntica e legítima figura saída de Hair, fosse pelos trajes indianos, fosse pelos cabelos encaracolados e cuidadosamente assanhados.
Sentei e lhe disse que aquela mesa já estava ocupada e que havia muitas à disposição, ela riu e disse que sabia, mas que precisava falar comigo. Tudo isso em espanhol, sendo que eu fazia questão de carregar no sotaque porteño. Dei de ombros e ela então começou a falar, disse que era estudante de Sociologia em Montreal e que estava viajando pela América Latina como parte de seu curso. Que queria ir para o Brasil, mas temia ser reprimida ou vítima de algum tipo de violência se a vissem solitária. Que só queria a minha companhia no ônibus.
Como vi que era muito bom para o meu disfarce que ela estivesse comigo, concordei, embora estivesse com um certo medo de que ela não fosse o que dizia ser. Entretanto, como estava num país há muito agregado aos objetivos políticos dos EUA para a região, raciocinei que se fosse a repressão, tanto fazia me prender em Montevideo, quanto em Porto Alegre. Assim, mais ou menos convencido de que estava a agir certo, viajamos para Porto Alegre. A viagem foi tranquila e agradável, pois, ela era muito inteligente e culta, uma ótima companheira de viagem. Passamos pelos controles aduaneiros sem nenhum problema até a rodoviária de Porto Alegre.
Depois que nos desembaraçamos dos útimos controles da Polícia Federal gaúcha, ela me perguntou se haveria algum problema se ela se hospedasse comigo no hotel. Juro que gelei, mais uma vez me veio a mente a fantasia de estar sob a vigilância da CIA. Creio que ela entendeu o que se passava comigo e rapidamente me disse que eu estava enganado sobre ela. Que mais tarde ela iria me explicar tudo. Estava nervoso e quase volto falar em português ao conversar com o motorista do táxi que nos levou para um hotel, creio que o Everest. Fizemos o registro e subimos.
No apartamento, constrangido disse que ela podia tomar banho primeiro. Ela, num riso nervoso, perguntou: “por que não tomamos banho juntos’? É mais rápido.”  Entrei no banheiro e quando eu a vi nua, fiquei extasiado, ela era lindíssima, que não sabia o que dizer ou fazer, até que ela também um pouco encabulada, esticou-me a mão e me disse: “eu me chamo Louise Marie “. Aquele toque de mão foi o suficiente para provocar a explosão da tensão e até mesmo o desejo que vínhamos reprimindo durante a viagem toda. Lembro que após aquele extravasar de emoções, ficamos mudos e só voltamos a conversar quando a convidei para almoçar. Almoçamos e acabamos por marcar o mesmo voo para o Rio. Voltamos para o hotel e evitamos qualquer tipo de contato físico. Pela manhã viajamos para o Rio, sem nenhum tipo de atropelo, pois iríamos pousar no Santos Dumont, que era mais seguro que o Galeão.

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