Arquivo do dia: janeiro 17, 2011

Foi assim… -VI-

O fim e o começo?!
amazonasteatro

A única diferença que houve entre a minha ida para Manaus e a viagem dos demais, foi ter ido três dias antes até Belém para convocar alguns colegas e professores que precisava para dar mais agilidade e ordem ao Seminário. Enquanto Manaus tinha apenas 6 cursos superiores, Belém comportava uma Universidade Federal, dois cursos superiores mantidos pelo Ministério da Agricultura, um Centro de Pesquisas de Doenças Tropicais e um Centro de Antropologia e Etnografia, enfim, tinha gente e elementos acadêmicos para o que desejávamos obter com o Seminário. Naquela época, nós, da UNE e demais entidades progressistas do país, bem como alguns Partidos políticos, estávamos empenhados em aumentar o conhecimento sobre a realidade nacional a partir da regionalização.  Considerávamos que quanto maior fosse o conhecimento das particularidades do país, mais fácil seria encontrar soluções e um tipo de planejamento integrado capaz de nos fazer sair daquela situação de miséria e pobreza.
Nessa minha ida para Belém, além de servir para convocar alguns colegas e professores que precisava para dar mais agilidade e peso intelectual ao Seminário, resolvi tentar rever o passado recente. Foi interessante, pois, com a exceção dos meus companheiros do Central Café, senti-me deslocado, quase um estrangeiro. Estranhei porque, até então, mantinha contato com o Pará via os companheiros do Partido e alguns colegas que vinham ao Rio. Muito mais tarde, quando em Buenos Aires, encontrei-me com um velho companheiro e aí soube do porque daquela reação. Um dos meus contemporâneos do Partido, na base da Faculdade de Direito, espalhou que eu estava no Comitê Central por puro apadrinhamento. O resultado foi a “queimação” do meu nome.
Procurei saber como estava o processo aberto contra mim na Auditoria Militar de Belém, aquela “criativa” idéia do major Jarbas Passarinho para se vingar da esquerda radical que, segundo ele, tinha brecado a sua possível candidatura ao Governo do Estado pelo PSB. Na época, ele era dublê de Superintendente da Petrobrás, cargo dado pelo Jânio e responsável pelo S2, o Serviço Secreto do Exército, a 2ªsecção, cópia do Deuxièmme Bureau francês. Soube que ainda estava sem distribuição na Auditoria Militar e isso poderia demorar porque o único auditor estava doente. Mas, dessa vez, ele já tinha sido promovido e era o chefe-do-Estado Maior da 8ªRegião Militar. Não tivemos nenhum encontro embora tenha conversado bastante com um sobrinho dele, o Ronaldo Passarinho que foi meu colega na Faculdade e se comportava como amigo a despeito de ser um “jarbista” ferrenho.
Naquela época, todos estávamos empenhados em aumentar o conhecimento sobre a realidade nacional a partir da regionalização e a estruturação de entidades e organismos setoriais e sociais. Entendíamos que junto com o conhecimento das particularidades do país e com o avanço da organização social e educacional, mais fácil seria encontrar soluções e um tipo de planejamento integrado, capaz de nos fazer sair daquela situação de infra-desenvolvimento.   Hoje, ao repensar sobre aquela fase, fico bem triste, não por ter aquilo acontecido, ou porque perdemos a oportunidade de mudar o país. Fico triste porque vi um país perdido, com gerações e gerações jogadas no limbo da História sem que tivessem  a menor consciência que isso acontecia.  Assim, em Belém naqueles idos, aindaestava acesa a chama da construção do futuro.

Há mais ou menos um ano, concordei em dividir uma mesa de debate com alguns líderes sindicais e políticos da nova esquerda(sic). Como um deles era extremamente arrogante e pretensioso, além de falar muita bobagem, perdi a paciência e fui cotejando o que ele falara e mostrara em projetores com aquilo que nós defendíamos no passado até 1964. Ao sentir que o público estava mais concordante comigo que com as idéias dele, comecei a perguntar que Brasil prefeririam viver, aquele defendido por ele, ou aquele que nos defendíamos até 1964. Ganhamos por larga margem. No entanto, senti que aquele jovem político era o resultado final de todo um processo, em que até o mais progressista dos nossos jovens é tão reacionário quanto um Carlos Lacerda.

Colégio Gentil Bittencourt
Em termos pessoais mostrou-me que o passado era mesmo passado, além de algumas pequenas alegrias como saber que algumas das minhas alunas do curso médio (fui professor de História Contemporânea em vários colégios, o mais engraçado é que a maioria era de freiras e eu adorava as irmãs) estavam fazendo História por minha influência e até fazer política faziam. Aliás, foi extremamente reconfortante e gratificante ser rodeado e chamado de professor por inúmeras jovens universitárias, que diziam aos demais que eu tinha sido professor delas. Algumas até me disseram estar no PCB. Com o Golpe eu soube que muitas foram presas e afastadas da Faculdade de Filosofia. Uma informação que me deixou mais furioso com o que estava acontecendo no país, pois, achava um absurdo que não compreendessem que a atitude daquelas moças e rapazes era um grande ato de generosidade.
Uma generosidade que muitos levaram às últimas consequências de doar a própria vida. Mas, naqueles poucos dias em Belém, ainda que lá no fundo do fundão já houvesse a sensação do Golpe, tanto que foi o tema do editorial da revista “Movimento”, que escrevi no início do ano, em janeiro de 1964, preferi cuidar do ISEA, e em deixar tudo organizado para o Seminário Latino-Americano de Reforma e Democratização do Ensino Superior – SLARDES. Um seminário patrocinado pela União Internacional dos Estudantes – UIE e com o apoio de todo o bloco socialista, porém aberto a todas as entidades estudantis do mundo e que seria realizado em Belém,  do dia 29 de março a 3 de abril de 1964. Seminário do qual  teria que participar por ser dirigente do Partido.

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Não consegui ficar inativo e saí a passear, tanto que até fiz parte de uma assembléia geral de alunos e professores na Faculdade de Medicina, a convite do companheiro e amigo Chico Costa, um excepcional dirigente político, lider universitário da Faculdade de Medicina,quando recebi uma homenagem inesperada por parte do Reitor. Foi emocionante, pois, uma coisa é ser elogiado por colegas, amigos e companheiros, outra de um professor com o qual nunca tinha convivido. O Reitor Dr. José da Silveira Neto, que me viu estudante daquela Universidade, afiançou que se a UFPA era como era, muito se devia ao meu empenho para que o Pará se tornasse um centro de excelência nos estudos de parasitologia, infectologia e doenças tropicais, quando da minha luta pela efetivação da Reforma Universitária e pelo esforço que fazia por mais verbas para a Universidade. Foi realmente muito emocionante, até porque o Silveirinha, como ele era chamado, não era de elogiar ninguém. O resto do meu tempo gastei em zanzar pela cidade e flanar pela Conselheiro. Escolhi o Ronaldo Barata para ser o meu assessor em Manaus. Foi uma péssima escolha, pois, não conhecia o seu lado arrivista e ambicioso.
– Agora um pequeno hiato –
Em 2001, quando estive por uma semana em Belém, com a exceção do meu amigo Paulo de Tarso Dias Klautau, as minhas tentativas de contato com velhos companheiros e colegas foram infrutíferas. Afinal, quase quarenta anos tinham se passado! Paulo fora meu colega de Faculdade e de UNE, onde ele era um dos secretários e eu, graças às artimanhas do Partidão, consegui ocupar a vice-presidência de Assuntos Nacionais por quase todo o período de 1963 da gestão Vinicius Caldeira Brant (1962/63), em obediência ao estabelecido num antigo Conselho da UNE e referendado como norma por quase todos os Congressos.
Estou a contar tais fatos, pois, só assim poderás entender como foi desagradável o meu contato com o Ronaldo Barata, lá no Instituto de Terras. Na realidade, como continuo sendo alguém de boa fé, esperava uma plausível explicão para o que ele  fez lá em Manaus, no fundo queria resgatar uma amizade que existiu enquanto fomos companheiros do Partido na Faculdade de Direito. Lá em Manaus, como ele não conhecia nada da estrutura nacional do Partido e nem da força política que eu tinha adquirido, aliou-se ao Marcelo Cerqueira, o Vice-Presidente de Assuntos Nacionais do Serra, que pretendia me derrubar da fração e conduzir o processo sucessório da UNE, parte por sua aliança com o grupo serrista da AP, parte por seu desmedido senso de Narciso. O Marcelo esperava ser o futuro presidente da UNE.

cao

Um processo que estava quase definido em torno do nome do Carlos Alberto Oliveira dos Santos, o Caó, o Betinho preto, presidente da UEE da Bahia e que não era do agrado do Marcelo e seus amigos, que por coincidência hoje estão no PSDB/PPS, enquanto o Betinho, o Caó, é do PDT. É claro que perderam a votação. Mas, foi bom ter visto aquilo, deu-me mais informação sobre o que acontecia em Belém, que qualquer informe detalhado. Cheguei em Belém com um grupo de gente vindo de Manaus. Íamos todos para o SLARDES.
Em Belém, assim que me hospedei, logo recebi a visita do Jocelyn e do Humberto Lopes, que me contaram do retorno do João Luis (que está no PPS/PSDB de São Paulo) e de sua influência no Partido. Fiquei abestado, há muito tinha o João Luis como um presunçoso, arrogante, debochado e enganador do ponto de vista teórico. Conversamos sobre o quadro do país e lhes falei que achava estarmos à beira de um Golpe de Estado. À noite, quando da instalação do ISLARDES , na Faculdade de Odontologia, fomos surpreendidos pela invasão da solenidade por um grupo de direitistas oriundos de tradicionais e poderosas famílias paraenses , que tentavam pela violência, empastelar o seminário. Após ter ajudado a evitar as agressões, instei para que o Isidoro Alves fosse o debatedor com um dos “invasores”. Saí de lá muito apreensivo, pois, como conhecia a maioria dos “invasores”, sabia que só fariam algo daquele tipo se houvesse forte cobertura. Marquei uma reunião no meu quarto de hotel, quando ouvimos o discurso do Jango e defini que o Partido tinha que cuidar imediatamente da clandestinidade e segurança. Só o João Luis não apareceu na reunião.
De volta ao ano 2001, fiquei espantado com o desprezo demonstrado pelo Ronaldo Barata ao saber que fui um dos fundadores do PDT e que considerávamos o PSDB, não um partido socialdemocrata, mas, a própria reação. É claro que só falei isso depois que ele  limpou a garganta e tentando não gaguejar, disse que eu continuava um idealista e incapaz de compreender o que estava a acontecer no mundo e no Brasil. Falei o que pensava, ri e disse que ele tinha tido muita sorte, pois, se o golpe se atrasa por mais uns quinze dias, como eu iria ficar em Belém para chefiar a delegação da UNE e do Partido, ele iria levar uma chapuletada daquelas. Saí e apenas cuidei do que tinha a cuidar, pois não queria ter outro encontro daquele tipo. Achei interessante é que só no Paulo, que não era nenhum companheiro de Partido, encontrei amizade e alegria pelo reencontro.
– fecha o hiato –

alminoafonso
O Manaus de 1964 teve um benéfico efeito sobre mim e se hoje ainda estou inteiro, devo àqueles dias passados na capital amazonense, que provocaram o assentamento de tudo aquilo que há tempos estava me incomodando. O Seminário foi um sucesso em todas as linhas. Quase todo o movimento estudantil de lá, universitários e secundaristas, deu a sua participação. Como naquela época o Ministro do Trabalho era um deputado federal amazonense amigo da UNE e de esquerda, o Almino Afonso, mais tarde  deputado federal por São Paulo, tivemos um tratamento VIP por parte das autoridades estaduais. Tudo ia muito bem até o dia em recebi um telefonema do vice-presidente da UNE, Duarte Pereira, do Rio,  avisando da confusão armada pelos marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos, sob a liderança do hoje tristemente famoso Cabo Anselmo.
Zé Serra e eu, que representávamos politicamente as duas maiores forças do meio universitário, Ação Popular e PCB, ordenamos que a UNE ficasse neutra, pois, desconfiávamos de que fosse algo como o levante dos sargentos de Brasília do ano anterior, 1963.  No Rio tinha ficado um Vice-presidente da UNE, o Duarte Pereira, todos os demais estavam distribuídos entre Manaus e Belém. Em Manaus tinha o Zé Serra, o Marcelo Cerqueira, o Chico Farias e o César Nicolussi. Em Belém, estavam o Carlos Castilhos, vice-presidente de assuntos internacionais, o primeiro secretário, Aytan Miranda e o tesoureiro, que era paraense, Carlos Morhy, mais tarde Reitor da UNB. Ainda que soubéssemos das articulações feitas por políticos e empresários ligados ao IBAD e ao IPÊS, confiávamos na habilidade do Jango em lidar com o meio militar e na força do esquema de sustentação militar montado pelo Chefe da Casa Militar da Presidência, general Assis Brasil. D’aí àquela revoada de diretores da UNE para o norte dopaís.                UNE-UIE

O programa era o seguinte: o Zé Serra, após o SLARDES, junto como o Marcelo e o Chico Farias, iria se agregar à enorme comitiva da Frente de Mobilização Popular-FMP que, a partir do Rio, viajaria pelo nordeste todo em campanha pelas Reformas de Base. Eu, como soube em Belém, seria eleito vice-presidente da União Internacional dos Estudantes – UIE e teria que ir morar em Praga. Era o modo pelo qual o PCB me tiraria do caminho e me deixaria sem audiência para as minhas críticas. E o restante dos quadros do Partido, como o Carlos Alberto Oliveira dos Santos, o Betinho Preto, o Caó de hoje, ex-vice da UNE e presidente da UEE da Bahía, ficava com a tarefa de conquistar a Presidência da UNE e aprofundar as linhas da Reforma Universitária, como tínhamos decidido em Conferências Nacionais. Era o que poderia ter acontecido.
Voltemos a 1964 e  à bela capital amazonense. Manaus, ao contrário de Belém, é pouco arborizada e naqueles dias se apresentava tórrida, o que se agravava com as largas ruas e imensos espaços vazios e nus das praças públicas. Entretanto, é uma cidade bonita e banhada por um rio fantástico, o Negro, cujas águas realmente pretas, circundam a cidade, afastando o ocre das águas do Amazonas de suas margens. Graças à riqueza trazida pelo Ciclo da Borracha e pela expansão para o Oeste, como mostram de forma bem enxuta e bela os livros “Mad Maria” e “Galvez, o Imperador do Acre” de Márcio Souza, parte do conjunto arquitetônico manaoara é uma mistura bem interessante – neoclássico, art nouveau e art déco, bem como alguns prédios, sobrados, com todas as características do classicismo português do século XIX. Não sei se sobrevivem, mas até 1986, última vez que estive por lá, ainda era possível imaginar a grande epopéia que foi a conquista do “Inferno Verde”: só o Teatro Amazonas, com sua insólita majestade de mármores e pedras, é, per si, uma extraordinária evocação daqueles tempos, em que brasileiros e estrangeiros sonharam em reconstruir a Europa fin-de-siècle no equador.
Eu e dois diretores da UNE, Francisco Ernane de Farias e João César Nicolussi, vice-presidentes de Assunto Educacionais e de Assistência Universitária, respectivamente, viajamos para Belém no dia 28 de março, junto com diversas pessoas. Íamos participar do Seminário Latino-Americano de Reforma e Democratização do Ensino Superior, sendo que eu seria delegado e indicado para uma das vice-presidências da União Internacional dos Estudantes, sediada em Praga. Lá em Belém, ao conversarmos com os dirigentes do Partido e das outras organizações de esquerda, ficamos sabendo que o Comando Militar da Região era contra o Jango (João Goulart), mas eles tinham esperanças na resistência política que o Governador Aurélio do Carmo poderia dar. O novo comandante da região era um tal de general Ramagem e seu chefe-de-Estado maior, o já então coronel Jarbas Passarinho, era um péssimo sinal e pior informação ainda. Entretanto, como sempre acontece, mesmo com os dados nos dizendo que está tudo dando errado, às vezes a gente fica preso numa ilusão, mesmo que ela seja a mais tênue das esperanças. Dessa forma, todos passaram a contar com o poder de reação do Governado Aurélio do Carmo.
Era uma esperança, tão boa quanto qualquer outra, só que, quando instalamos o SLARDES é que sentimos as dificuldades do futuro. Grupos de direita, armados e uniformizados, invadiram a Faculdade de Odontologia, onde estava sendo realizada a abertura do Seminário, distribuindo bordoadas e ameaças de morte, sob o comando do Leonardo Lobato, filhote da oligarquia paraense. Por sorte, fora algumas escoriações de uns poucos, conseguiu-se a calma e encerramos a solenidade. No hotel, reunido com todos os dirigentes do Partido e da UNE, ouvi o discurso do Jango na sede do Automóvel Clube no Rio. Ao final, disse para todos que um golpe estava em marcha e  que o melhor era cancelarmos o evento, providenciando a imediata saída das delegações estrangeiras e de todos os que não fossemparaenses. jango03
No meu caso, respondendo a um processo pela Lei de Segurança Nacional instaurado em Belém, a questão já estava resolvida, viajaria para o Rio no primeiro avião que saísse de Belém. Aquela decisão, embora fosse correta e justa sob todos os aspectos, pois, se eu tivesse sido preso em Belém nenhuma dessas linhas seria escrita, deixou-me um certo travo na boca. Senti-me um mero joguete de forças incontroláveis e fora do meu alcance. Aliás, hoje, quando ouço dizer que a política nada faz ou não interfere na vida das pessoas individualmente, sempre penso no que foi a minha vida. Eu me organizava de um modo e planejava tais e quais coisas para o futuro e, lá na curva da esquina, escondidinha, estava a política mudando tudo. Como eu me recusava em ser um inerte objeto ao sabor desses movimentos, mais e mais me enfronhava na ação política e dela extraí tudo aquilo que hoje me compõe, pessoal e socialmente.
Assim, depois do discurso do Jango, nós que representávamos os principais organismos políticos, optamos pelo cancelamento do SLARDES e por minha viagem para o Rio. Saí de Belém na manhã do dia 31, no último vôo antes da suspensão dos vôos, que durou quase dez dias. Se não fosse um primo do meu pai, coronel da FAB, Wilson, talvez não tivesse viajado, pois, já havia sido expedida a ordem para a minha prisão. Como tínhamos o mesmo tamanho e eu  usava óculos escuros, vesti-me de coronel e com o quepe foi fácil passar por um oficial, principalmente porque ele e outros oficiais foram me levar ao aeroporto e nem fiz “check in”.
Como a minha viagem era um segredo do Partido, por medida de segurança ninguém mais sabia da minha partida, além dos dirigentes do PCB. O resultado é que quase virei uma lenda regional segundo alguns primos paraenses  me contaram, com historinhas em que rocambolesca e heroicamente enfrentei e derrotei todas as tropas militares, que foram tentar me aprisionar no caminho para a Venezuela. E o mais engraçado é que esse tipo de fantasia voltou de forma mais negativa, com relatos da minha morte nos porões da Ditadura. Em 1986, quando estava no Governo Brizola, aqui no Rio, ao participar do Encontro Nacional dos Secretários Estaduais de Trabalho, em Manaus, por intermédio de um velho companheiro, o poeta Félix Valois, soube que todos em Manaus pensavam que eu tinha morrido por volta de 1970.
Cheguei ao Rio bem cedo, antes das 9 horas da manhã. Depois que tirei a farda do Wilson, no Cassino dos Oficiais do Galeão, num jipe da FAB fui direto para a UNE. Falei com os diretores e soube de que reinava a confusão com as notícias sobre a marcha do gal. Mourão Filho em direção ao Rio. Fui à sede do PCB e só ouvi palavras de que nossas Forças Armadas tinham uma tradição democrática, algo que a nossa história republicana desmente. Os fatos demonstraram que a história não mente. Voltei à UNE e através de um telefone privativo, cortesia do cel. Dagoberto Rodrigues, soube da realidade dos fatos. Mais tarde, fui ao Palácio das Laranjeiras, falei com o Jango e ele me pareceu disposto à resistência, pois os comandos militares sediados no Rio eram leais a ele, segundo lhe falara o general Assis Brasil, Chefe da Casa Militar da Presidência.
O mais ridículo veio a acontecer depois, já no dia 1º de abril, pela manhã fui chamado para uma reunião com dois membros do Comitê Central do PCB, Zuleika D’Alembert e Armênio Guedes, quando me comunicaram que o Comitê Central  tinha decidido me dar todo o poder para resolver se o Partido e seus membros iriam ou não resistir ao golpe de acordo com o quadro atual. Depois que retirei todos os mais importantes documentos da UNE e os coloquei num local à prova de qualquer estranho, fui até ao comando da 3ª Zona Aérea, do Brigadeiro Chico Teixeira, e lá soube de que todos os diretores da CGT, PUA e alguns da UNE já estavam tentando um deslocamento para fora do país. comar
Como só tinha autoridade sob os membros do PCB, tentei mostrar que era possível uma resistência, contanto que não houvesse a desmobilização dos dirigentes das mais importantes entidades sindicais do país. Foi inútil, todos queriam salvar a pele, principalmente depois que o Jango ligou para o Brigadeiro Francisco Teixeira e disse para não atacar as tropas do Mourão. Como, naquele momento, eu representava o próprio PCB, todos os oficiais da FAB que eram membros do Partido, inclusive o Brigadeiro, disseram que se eu ordenasse eles bombardeariam o Mourão. Foi a mais difícil decisão que já tomei na vida, pois, mais do que ser um dirigente do PCB, eu era um brasileiro e responsável pela segurança de muita gente. Depois de discutir com todo Estado Maior da 3ª Zonaer, decidi que se estávamos defendendo a legalidade constitucional, não poderíamos desobedecer às ordens do Presidente Jango. E assim foi feito. Depois, ainda escoltado por oficiais da FAB, vi o incêndio da UNE, que atingiu parte do primeiro andar e o teatro, até desci para afastar alguns companheiros que estavam por lá. A boataria era tão grande que, alguns conhecidos que estavam vendo tudo ao longe, notaram a minha presença e depois o meu retorno ao jipe acompanhado do tenente, que era o responsável por minha segurança, mas, como nada sabiam da função do tenente, espalharam que tinha sido preso.
Como custei a aparecer nos restaurantes e bares para o normal bate-papo, consolidou-se o boato. 
Logo inventaram que tinha sido morto. Soube da minha morte, quando ao subir num lotação – naquele tempo o Rio tinha lotações e bondes – encontrei duas amigas. A Solange, a famosa jóquei-bicha, por ser muito magrinha e de pequena estatura, e a Ionita Salles ex-Guinle, que participavam do núcleo de teatro do CPC da UNE. Elas faziam parte do famoso “trio tumba”, como apelidou o genial José Sanz, pois, só viviam na “fossa”, com ou sem motivo, as outras integrantes eram a Dorinha e a Tânia Scherr. A exemplo do 3 Mosqueteiros, o trio também era composto por quatro belas, inteligentes e “enfossadas” jovens. Foi quase uma gritaria e quando se acalmaram é que consegui entender porque tanta emoção.Não resisti e perguntei: Puxa vida, vocês nunca viram um ressuscitado?
Hoje muitas décadas depois, sei que aquela decisão do CC foi puro oportunismo e de uma crueldade inaudita. Se eu tivesse ordenado o que os aviadores queriam e tudo desse certo, as glórias iriam para a sapiência, clarividência e poder de comando da direção do Partido. Se tudo desse errado, seria fruto do aventureirismo e vaidades pequeno-burguesas de um tresloucado. Fora a tragédia que seria ter a responsabilidade por um morticínio de inúmeros inocentes. E assim, o golpe teve seqüência. E eu perdi a oportunidade de deixar o meu nome na história política do país, competindo com o Jânio em matéria de desvario. Muito tempo depois, já nos idos de 1980, quando ambos fazíamos parte do PDT e tínhamos restabelecido o contato e a amizade, perguntei ao Prestes se ele sabia daquela ordem. Ele disse que na época não soube de nada, mas que depois de alguns meses soube e que ela não tinha sido apenas comigo. Outros companheiros receberam tarefas similares, só que para outros setores e o que é pior, sem que nenhum soubesse o que os outros estavam fazendo. Para Prestes, aquilo foi mais um momento no oportunismo da maioria do CC daquela época. Um oportunismo que a exemplo dos desvios praticados na Europa Oriental, usava a consciência política dos quadros do partido contra eles mesmos. Uma situação que é bem clarificada no filme “L’aveu”, de Costa- Gavras.

http://rs4fun.com/dl/l+aveu+costa+gavras.html

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