Durante quase todo aquele período em que ficava pulando de país em país, ora na qualidade de repórter, ora como um militante, mais difícil que driblar e escapar das tramas repressivas foi manter a distância de muitos grupos e indivíduos que viviam no exílio. Com a exceção do meu amigo Jayme Dantas, do JB, a quem conhecia de outros carnavais, fazia questão de evitar maiores contatos com os colegas brasileiros, não porque tivesse receio de uma possível ligação com a repressão, mas, porque sempre considerei anti-higiênico muita intimidade. E naqueles tempos, além de sapinho podia produzir outros indesejáveis efeitos colaterais.
Porém, através de alguns amigos, velhos companheiros e da Organização, sempre era possível dar as informações que poderiam ter algum uso para todos os que estavam no exílio. Vi com certo ceticismo o surgimento de inúmeros veículos informativos, uns mais voltados para o debate de teses, outros mais presos ao que seria um jornalismo analítico. O maior problema, não era nem a qualidade das matérias e dos textos, mas, a paixão e certo wishfull thinking, que evitavam a clareza das propostas e um possível encaminhamento unitário. Das experiências mais duradouras, creio que duas fora as mais importantes, o “Frente Brasileño de Información” e a “Campanha”.
Hoje, longe das tensões e pressões daquela época, até que parece fácil o exercício da crítica, como alguns já fizeram. São críticas voltadas mais para certos aspectos formais e ao cotejo dentre as diversas tendências políticas que agitavam aquele pequeno mundo brasileiro. Essas críticas, a despeito do brilhantismo acadêmico, teórico e estilista dos autores, pecam por deixar para trás aquilo que era (e é) o mais importante – o processo/movimento histórico que se realizava à revelia dos sonhos, anseios e modelos teóricos dos exilados e de suas organizações. Foi um erro? O mais exato é crer no equívoco e no ilusionismo provocado pelo trágico rompimento de projetos de poder e crescimento político por parte de pessoas, de organizações políticas, de algumas entidades de massa e organizações sociais.
Para haver uma autocrítica efetivamente corretora de rumos, mais do que a simples leitura dos clássicos e dos inúmeros seminários de debates sobre uma realidade idealizada, ou mea culpa. mea maxima culpa, tornava-se preciso uma abordagem mais científica e proprensa a entender que a dialética da história não exclui os atos humanos, logo seria necessária uma rigorosa análise a respeito dos erros políticos que redundaram na fragilidade das forças políticas e sociais brasileiras. Uma fragilidade tão intensa que, num olhar retrospectivo, há a sensação de que a sociedade brasileira, como um todo, esteve de acordo como golpe e sua pregação direitista desde o início. Uma sensação que é verdade e não é. É verdadeira quando se analisa a inação ante ao Golpe e quanto a total falta de um projeto político nacional unitário. É falsa, pois, essa inação foi apenas o perverso reflexo de um fenômeno político chamado de “idealismo” que, a despeito de estar com um revestimento vocabular de esquerda, em termos concretos tentava fazer uma “revolução” com os mesmos instrumentos de ação e desenvolvimento econômico burguês, mesmo sem ter clareza de que agia desse modo. É, pois, nesse quadro de dúvidas existenciais políticas que o ano de 1977 dá o ar de sua graça e vai ser o mote de dois anos, sendo que em 1978, com o fim do AI-5, algumas dúvidas deixam de existir, substituídas por aquilo que se poderia chamar de “realismo cínico”, em que o possível cede lugar à concordância com a lógica da abertura gradualista em todos os aspectos.
A ascenção de Jimmy Carter à Presidência dos Estados Unidos e o modo como agiu para salvaguardar a segurança física de Leonel Brizola, ameaçado pelos militares uruguaios e brasileiros, deu um certo alívio às levas de brasileiros e latinoamericanos que zanzavam pela Europa e Estados Unidos. Era o começo da “campanha imperialista pelos direitos humanos”. Uma “campanha” que será o grande trunfo “político” a ser arguido pelo Império contra todos os países que discordem de seu sistema. No entanto, naquela época teve importância no enfraquecimento de alguns governos ditatoriais na América Latina, como no Brasil, ao dar força para o desdobramento do projeto político de Ernesto Geisel. Como estava na Colombia, em busca de contatos e possíveis entrevistas com os grupos guerrilheiros que por lá lutavam, como o ELN, FARC, M19 e o EPL não foi possível acompanhar as dificuldades vividas por Leonel Brizola e sua família lá em Montevideo. Mas tarde, soube que a situação foi bastante ruim e com fortes ameaças à integridade física do ex-governador gaúcho, tanto por parte de setores militares brasileiros, quanto por grupos uruguaios. A interferência pessoal de Jimmy Carter evitou um quadro mais grave e serviu para debilitar alguns grupos militares brasileiros que estavam interessados em manter inalterada a linha de conduta da “democrática” ditadura brasileira e contra os projetos políticos de Ernesto Geisel.
Aliás é bem interessante o que aconteceu depois da “abertura humanista” de Jimmy Carter e com o avanço do projeto político de Ernesto Geisel e de determinados setores da vida econômica brasileira, nacionais ou não. Com a simples alteração do eixo tático do expansionismo imperialista ianque, em que uma novilíngua explicadora e jutificadora da “nova” ideologia – a não-ideologia – estava a ser divulgada aos quatros ventos, seja pela direita, seja por grupos soi disant de esquerda, num quase piscar d’olhos todo esforço e luta dos milhares de brasileiros pela redemocratização do país, além ser démodé, era algo capaz de ameaçar o iluminista projeto de dois gênios da raça, os legítimos e autênticos déspotas esclarecidos, Geisel e Golbery. Segundo a opinião de seus áulicos na mídia e na universidade.
O principal instrumento para a catequização e domínio das “mentes e corações”, como dizia Lyndon Johnson quando da Guerra do Vietnam, foi a adoção da contra-cultura e da exacerbação do culto ao individualismo e do hedonismo pessoal como formas de “combate” ao establishment. Um establishment careta e antediluviano. Foi a deixa para que todo o mundo desenvolvido, através de seus líderes de vanguarda, passasse a ser contestador en petit comité ou sozinho, até porque a moral e o processo histórico eram criações solipsistas. Se essas manifestações tivessem apenas se circunscrito ao universo do primeiro mundo, embora os danos pudessem ser mais tarde contabilizados, até que as coisas poderiam ser de forma diferente por nossas bandas. O problema é que o alvo fundamental erámos nós. Não por uma deliberada malvadeza, mas, por representarmos o que já estava a desaparecer naquelas civilizadas e desenvolvidas plagas, o futuro em termos de expansão material e também na construção de uma cultura mais inovadora e universal que a produzida pelas linhas de montagem do sistema capitalista. Ou seja, mais do que o singelo quintal ou terrenos baldio do Império, tínhamos e temos a chave para a continuidade do progresso humano.
O problema é que, tanto naquela época, quanto agora, o sistema, por não ser capaz de olhar para as próprias entranhas, jamais entenderia que nesse futuro progresso, não há a menor possibilidade de sua permanência como economia política da humanidade. Esse é pois o dilema do sistema, quase que a reviver o Mito de Sisifo, por não compreender que a pedra sempre rolará de volta, pois esta é sua natureza. Só que para a nossa tragédia, enquanto se poderia esperar um ato de rebeldia contra esse fatalismo, para o sistema, mesmo que isso o conduza à morte, ficará nessa repetição por toda a eternidade. Desse modo, como não foi(ou era) possível olhar para o seu âmago e ler o futuro em suas entranhas, também no Brasil e na América Latina inúmeros foram os entreatos, cuja única diferença estava no desempenho dos protagonistas e personagens. No mais o máximo era torcer para que no grand finale se pudesse parafrasear Shakespeare – all’s well that ends well.
Assim, entre a gloriosa ascenção hegemônica do Império e do neoliberalismo, o Brasil começa a dar os primeiros passos para uma redemocratização, lenta, gradual e segura, tudo sob o iluminado comando dos dois generais. O delirio provocado pela contracultura e pela fantasia de se estar criando arte e cultura com qualquer badulaque, vai ser tão forte que em nome de “revisionismo crítico” há a esdrúxula valorização do que só existe como uma simples manifestação individual de mentes infantilizadas ou supostamente hiper-intelectualizadas. Ou seja, é a fraude ganhando status de arte ou de explicações políticas. O mais divertido e trágico de tudo isso eram as reuniões em que se discutiam os possíveis caminhos políticos do país após a abertura total e a anistia geral. Mais uma vez confundiam o continente com o conteúdo, a forma com a essência.
Nessa confusão, já a caminho de produzir uma formidável geléia geral, o que era claro e verdadeiro em termos factuais, por força da revisão crítica, ganha tons e contornos já não tão claros e definidos. Um exemplo é a analise que se começa fazer acerca do papel desempenhado pela burguesia nacional, agora, quase vítima, pois, a ditadura, foi um projeto político isolado dos militares, que ultraciosos de seu papel como defensores da democracia e da civilização ocidental e cristã, planejaram e executaram a ruptura da legalidade e instalaram a ditadura, num ato de tresloucada interpretação preventiva.
É assim que o Brasil vai caminhar para Anistia e para a redemocratização, tudo muito gradual e com a parcimônia daqueles que temem ser injustos ou exageradamente afobados. Muitos temiam que a volta dos exilados pudesse romper com aquela redoma repressiva-democrática que Geisel, Golbery e Figueiredo tinham criado. Havia o receio de que talvez houvesse a possibilidade de que viesse alguém com a vontade de ver, de olhar o rei, ver a sua nudez e isso tornar bem claro. A bem da verdade, há uma ou outra voz que ousa falar a verdade, de que a ditadura tinha apenas melhorado a vida dos ricos, dos mais ricos, do império e piorado a vida dos mais pobres. O milagre há muito que se acabara.
No exílio europeu e estadounidense, onde a vida parecia estar sempre vista por grandiosas lentes de Pangloss, mil-e-um planos eram armados num dia e desarmados noutro. Entretanto, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos, centros irradiadores do novo conceito de hegemonia imperialista – o neoliberalismo, tudo se orientava no sentido de se criar um novo, só que um novo com todas as características do que existia em 1964. É claro que há a inclusão de novos temas, não porque representassem reflexos de grandes lutas sociais, mas, por significarem o fracionamento tático do sentido geral das lutas sociais, que até antes de 1964 faziam revindicações totalizantes – capazes de atender o maior e o menor, mas que eram incapazes de prontamente criar uma plataforma de reivindicações bem particulares. Um fato que será agora atendido, pois, a velha divisão social não corresponde mais aos reclamos da nova realidade. Uma realidade em que o homem, não será medido por si mesmo, mas, por sua capacidade de consumir e suplantar o outro.
Assim, dentre os grupos exilados com forte conexões com a História até 1964, antigos trabalhistas e setores da esquerda armada congregados em torno da liderança de Leonel Brizola, reunidos em Lisboa em juho de 1979, após o encontro preparatório realizado no México entre Brizola, Darcy Ribeiro, Francisco Julião, Neiva Moreira, etc, decidem se organizar e reconstruir um partido com a mesma base social e política do velho PTB. Aliás, um dos melhores relatos sobre aquele evento lisboeta, é de autoria do jornalista Francisco das Chagas Leite Filho, membro do Diretório Nacional do PDTe autor da excelente biografia de Brizola, “El Caudillo”:
“No meio da tensão, uma proposta conseqüente para o Brasil
Por FC Leite Filho
O encontro de Lisboa foi o principal acontecimento daquele mês de junho de 79. Sua realização coincidia com a ultimação, pelo governo do general Figueiredo, o último dos militares do regime de 64, do projeto de anistia, que devolveria os direitos políticos aos cassados e permitiria o retorno dos exilados à pátria. A política vivia um clima de ebulição, porque a ditadura tinha limitado em apenas dois o número de partidos: o PDS, a antiga Arena, do Governo; e o MDB, da oposição. A anistia, evidentemente, iria implodir estes dois gordos monopólios, particularmente o da oposição, que se cevava eleitoralmente com o crescente desprestígio do Governo militar. Ora. tanto os políticos cassados como os retornados do exílio, que somavam ao todo mais de duas mil pessoas, iriam procurar seu lugar ao sol, de preferência num novo Partido livre das amarras do bipartidarismo.
Leonel Brizola era especialmente visado, porque sua mística de revolucionário, grande administrador, líder político e cidadão marcado de morte pela ditadura, tinha sido acrescida de 15 anos de exílio, uma expulsão dramática do Uruguai e sobretudo as relações que passou a cultivar nos países europeus dominados pelos socialistas e o welfare state (Estado do Bem-Estar Social) faziam tremer o velho establishment brasileiro: “Ele vem para dividir as oposições”, apregoavam os emedebistas mais nervosos, e “assim facilitar a vida do regime”. Era uma pecha muito bem engendrada e inteligente, pois confundiu muitos democratas ingênuos, até o dia em que o PMDB, novo nome que tomou o MDB, mostrou sua verdadeira face ao assumir o poder da República com o governo Sarney em 1985.
O Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio começa praticamente no dia (13 de junho de 1979) em que o Presidente-General João Figueiredo dá os retoques finais no projeto de anistia, preparado pelo ministro da Justiça, o hábil senador Petrônio Portela (PDS-PI). O mundo vivia um clima otimista com a política de Direitos Humanos do presidente americano Jimmy Carter, que começava a minar o poder e a influência dos militares, então dominando praticamente toda a América Latina. A Social-Democracia dominava a Europa com o chamado welfare state, onde o Estado garantia quase pleno emprego a todos e ainda dava assistência médica gratuita e segura aposentadoria a ricos e pobres. A ditadura de Somoza estava por um fio na Nicarágua, tendo os sandinistas acabado de entrar em León, a segunda maior cidade do país.
Mário Soares, que acabava de ser premier de Portugal, fez questão de não só participar como dar toda a cobertura ao novo Partido co-irmão que surgiria daquele encontro. Com este propósito ofereceu a imponente sede de seu Partido Socialista, localizada no Largo Rato, zona central de Lisboa, para que fosse a sede do encontro. Ao abrir a cerimônia, Mário Soares lembrou que o PS tinha sido também fundado no exílio, havia mais de 100 anos. O ambiente era acolhedor, porque os portugueses adoram os brasileiros, principalmente naquela época quando estava na moda a retransmissão de nossas novelas pela TV portuguesa. A maioria procurava imitar o sotaque brasileiro, que o português acha melodioso, doce, carinhoso, como diziam,
Nos bastidores do poder em Brasília, contudo, havia muita pressão e contra-pressão e principalmente intrigas, fofocas, conspirações, plantações, um prato cheio para os jornalistas, já quase todos libertos das garras da censura. Por esta razão, os jornais só falavam no Encontro de Lisboa. Jornalista em missão na Europa, estava na Alemanha cobrindo as primeiras eleições do Parlamento Europeu, quando meu jornal, o Correio Braziliense, resolve me deslocar para Portugal com o fim de cobrir o evento. Junto comigo seguiram dois companheiros, que também se encontravam na Alemanha na mesma missão: Rubem de Azevedo Lima, da Folha de S. Paulo, e Merval Pereira, de O Globo, todos baseados em Brasília. Nosso primeiro encontro com Brizola foi obtido pelo jornalista Flávio Tavares, velho companheiro de lutas do líder trabalhista, desde a Campanha da Legalidade, tornado internacionalmente conhecido pelas torturas que sofreu no regime militar do Uruguai e por seu trabalho como correspondente internacional do Excelsior, do México, e de nosso Estadão, e que funcionava como assessor de imprensa do encontro, e como não poderia deixar de ser, ilustre signatário da Carta de Lisboa.
Almoço – Brizola prefere conversar com os repórteres num almoço privé no Hotel Florida, onde estava hospedado. Ele queria dar um tom de informalidade, o quanto distante possível da declaração formal, já que os jornalistas não arriscariam a puxar a caneta. Era evidente, porém, tanto para ele como para os jornalistas, que dali sairia uma boa matéria, até mesmo uma peça histórica, pois era a primeira vez que o líder trabalhista se abria aos repórteres de seu país depois de muitos anos. E o fez com gosto, dissecando longa e descontraidamente a situação brasileira, fazendo um amplo histórico de nossa realidade,desde o império até aqueles dias.
Sentado em cima do povo – Disse que o MDB “estava sentado em cima do povo”, pois agia de forma ditatorial ao não permitir o surgimento de outros partidos com bandeiras oposicionistas. Lembrou o passado do deputado Ulysses Guimarães, que apoiou o golpe militar contra o governo democrático de João Goulart em 1964, e se enfileirava sempre entre os conservadores, indagando: “Por que só o MDB pode usar a marca Coca-Cola? Porque eu tenho que usar obrigatoriamente o nome do Brossard? Por que ninguém mais pode ser oposicionista se não for do MDB?”.
Os mexericos eram terríveis e o manchetão que o Correio deu da minha matéria “Brizola mostra as garras” provocou alvoroço. Preocupado com a repercussão negativa, não do que tinha falado mas dos termos da manchete, pois vinha sustentanto uma postura de moderação, ele me chama em particular à sua suíte no hotel. Eu, repórter ainda novo na cobertura política, embora tivesse passagem de correspondente em Londres durante um ano, fiz-lhe ver que era responsável pelo texto da matéria e não pelo título: “Eu sei disso, sua matéria está correta, o jornal não precisava exagerar”. Com efeito, os peemedebistas reagiram com violência, chamando Brizola de ditador, pelego, e denunciaram que o Encontro de Lisboa recebia financiamento internacional, mais precisamente dos governos europeus dominados pelos socialistas.
Brizola explicou que não quis ofender Ulysses nem outros líderes do MDB, mas sustentou que o “trabalhismo quer ter a sua vez, como o estão tendo o MDB e o PC, dentro do MDB”. Não obstante, a central de intrigas estava a todo vapor. Dois dias depois da abertura do encontro, o jornalista Mauro Guimarães, do Jornal do Brasil, que não teve contato com nosso grupo de Brasília pois era da cúpula do jornal no Rio, estampou em primeira página: “Brizola não se preocupa com os militares porque a organização popular, através de um partido prestigioso e forte, vai discipliná-los”.
Ameaça do Exército – Ora, o AI-5 tinha sido abolido mas os militares ainda empalmavam o poder, e aquilo foi recebido como provocação. Sem verificar a veracidade do material jornalístico, que depois se revelou equivocado, ou uma barriga, como se diz no jargão da redação, os três ministros militares deram declarações iradas com sérias ameaças a Brizola. O general Valter Pires, ministro do Exército, que se orgulhava de ser o durão do regime, expediu nota oficial chamando Brizola de “um evadido de 1964” e de “refugiado no estrangeiro, de onde tem estado em permanente conspiração contra a democracia brasileira”. O general terminava dizendo que “o Exército jamais esteve tão disciplinado como nos últimos 15 anos”.
Na época não havia internet, fax, nem computador e as ligações internacionais, além de caríssimas, eram precárias. Havia também a diferença de fuso de 5 horas entre Lisboa e Brasília. Por isso, Brizola só foi tomar conhecimento da matéria do JB depois da meia noite. Ele passou a noite ouvindo as gravações do encontro, e no outro dia expediu uma longa nota, na qual fez questão de transcrever na íntegra, inclusive com os aplausos de sua fala ao Encontro. O jornalista tinha interpretado mal suas palavras.
Brizola aproveitou a oportunidade para dar um cutucada na mídia, que lhe foi sempre hostil desde que mandou encampar as empresas americanas quando governador do Rio Grande do Sul, a partir de 59, e nos próprios poderosos – e carrancudos – ministros militares:
“Deste lamentável episódio, entendo devam ser destacadas duas grandes advertências:
a) O quanto são prejudiciais e perigosas as notícias deformadas ou improcedentes:
b) A inutilidade dos gigantescos e poderosos serviços de informação na medida em que, por má fé ou omissão, levaram os três mais altos chefes militares do país a um equívoco. Neste caso, felizmente, seus danosos efeitos foram contra uma pessoa apenas. Mesmo assim, o certo é que o episódio concorre para a criação de um clima de maiores restrições ainda à anistia, dificultando a volta à pátria de todos os perseguidos pelo regime.
Sobre o ataque pessoal que lhe desferiu o general Pires, a nota de Brizola afirmou: “Quanto aos fatos e situações do passado, a História nos julgará a todos; e relativamente à minha conduta no presente, preocupo-me somente com o julgamento do povo brasileiro. Os duros agravos pessoais que me foram dirigidos não me atingem e nem me afastarão da linha de equilíbrio e responsabilidade que me tracei, na firme disposição de tudo fazer pela restauração das liberdades democráticas, condição essencial para que nosso país consiga superar as dificuldades e os problemas a que foi levado por esses 15 anos de autoritarismo.”
Todos estes episódios acabaram sendo superados, ainda que a duras penas e principalmente graças a uma verdadeira obsessão de Brizola em desmontar a rede de intrigas. Acabaram contribuindo para dar uma projeção maior ao Encontro. Este, juntamente com a Carta de Lisboa, consubstanciando suas conclusões, passaram a constituir não só um fato histórico de grande relevância, mas sobretudo uma alternativa conseqüente para a crise brasileira, que continuará a se aprofundar mais ainda enquanto não for testada a proposta trabalhista, que em resumo nada mais é que a continuação da obra de Getúlio Vargas e João Goulart, sintetizada no Trabalhismo.”
É, pois, nesse quadro político que retorno ao Brasil e às lides politico-partidárias. Embora fizesse alguns reparos a certo voluntarismo de certos companheiros trabalhistas e de esquerda, como era muito marcante o pensamento político transformador, consubstanciado nas figuras de Adão Pereira Nunes, Doutel de Andrade, Carlos Fayal Lira, Benedito Cerqueira, Darcy Ribeiro e Brizola, é claro, foi fácil aderir à construção daquele projeto esboçado na Carta de Lisboa. Surgia a história do PDT.
Technorati Marcas:
Leonel Brizola,
Francisco das Chagas Leite Filho,
Darcy Ribeiro,
Geisel,
Golnbery,
Figueiredo,
Jimmy Carter,
Lyndon Johnson,
Adão Pererira Nunes,
Doutel de Andrade,
Benedito Cerqueira