Foi Assim… – XXIII –

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A luta para organizar e construir o PDT-Partido Democrático Trabalhista, após o fim das esperanças de se criar um novo PTB, em que à experiência do passado trabalhista se juntaria aquilo que parcela da esquerda tinha adquirido antes, durante e pós-golpe de 1964, foi uma árdua tarefa. Não porque fosse complicado cumprir com os requisitos exigidos pela legislação eleitoral da época, mas, em virtude das imensas dificuldades surgidas pela antecipada luta ideológica interna e que era transportada para o seio do povo. O interessante é que, para quem olhasse de longe, com os olhos e os apressados chavões esquerdistas, a luta parecia ser uma luta por princípios políticos, em que de um lado havia um setor burguês ou aburguesado e doutro os agrupamentos mais consequentes com a realidade política que se vivia no mundo, na América Latina e no Mundo. Um velha luta, diriam alguns.
Na verdade, até que a luta era bem antiga, só que a diferença estava na falsidade desses enfoques, não porque não existissem aburguesados, burgueses e nem sinceros revolucionários, mas contrafações teóricas para justificar o assenhoreamento  das novas estruturas partidárias de poder. Um dos mais claros exemplos, daqueles em que até a realidade era negada como reacionária e inecxistente, era a nítida sabotagem ao que se propruzesse como política de massa, processos de politização e tentativa de garantir aos setores da base, tanto orgânicos, como informais do Partido, o direito de direta representatividade nos colegiados do PDT. Um exemplo foi a famosa Brizolandia , muitíssimo bem retratada pelo texto do jornalista Israel Tabak, do JB, que em 24 de junho de 2004, escreveu sobre a sua decadência:
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Brizolândia é uma mesa no canto da praça
Israel Tabak
Jorge Cecílio
A Hora do Adeus
Dois dias após a morte do líder trabalhista, Cinelândia nem de longe lembrava os anos de efervescência política.  Marly Koplin, professora aposentada, tem mesa cativa há mais de 10 anos na Cinelândia
A mesa circular fica em frente a uma das janelas da Câmara de Vereadores, na Cinelândia, no mesmo local onde foi erguida a barraca original da Brizolândia, em 1982. Sobre a mesa, uma bandeira do PDT e uma tarja preta. Protegida por uma barraca, Marly Koplin, 59 anos, brizolista roxa, bate ponto todos os dias, há mais de 10 anos, num canto da praça que foi um dos mais agitados centros de discussão política do Rio.
A mesa da professora aposentada Marly é tudo o que sobrou da Brizolândia. Dois dias depois da morte de Brizola, a Cinelândia esfuziante de outros tempos era um deserto. Só em uma rodinha isolada, no fim da tarde, admiradores se encontraram para reverenciar o líder. Poucos, como Marly, já acompanhavam o líder gaúcho antes do golpe de 64. Ali, naquela mesma praça, o ex-governador era a grande estrela de comícios que atraíam multidões.
Nos tempos em que a polarização política apaixonava os moradores da cidade, a Cinelândia fervilhava, nos cafés, sorveterias e no centro da praça, penúltimo ponto dos bondes que vinham da Zona Sul e faziam a volta no ponto final do antigo Tabuleiro da Baiana, terminal demolido no Largo da Carioca. Marly nem precisava pegar o bonde. Morava ali perto, na Rua Santa Luzia, e ainda adolescente acompanhava sua mãe aos comícios.
Qual a origem do fascínio exercido por Brizola na pequena classe média e no meio operário, de onde provinham os minguados antigos freqüentadores da Brizolândia que voltaram ontem ao antigo reduto? Quando se faz essa pergunta, há geralmente um momento de hesitação. É como se a admiração quase incondicional antecedesse alguma razão específica.
– Tudo nele me fascinava. Mas se tivesse que escolher a razão principal, falaria no seu amor pela causa da educação popular – responde a professora Marly.
O funcionário público José Luíz de Lima, 48 anos, cita a preocupação do líder trabalhista em proteger os mais humildes contra os excessos da polícia. O vendedor João Pinto, 54, diz que acompanhou os irmãos mais velhos, entusiasmados com Brizola desde os tempos da cadeia da legalidade, que ajudou a garantir a posse de Jango Goulart, em 1961. O faxineiro Sérgio Pereira da Silva, 38 anos, foi atraído pela firmeza da linguagem nacionalista que condenava a ”espoliação” do povo brasileiro.
Freqüentadores da Brizolândia, os três relembraram algumas tardes quentes quando discussões acabavam em brigas com grupos rivais, como o pessoal do MR-8, que apoiava o PMDB de Moreira Franco, sucessor de Brizola, após o primeiro mandato. Também lembraram outros ”excessos”, como quando Cesar Maia levou tomates e ovos podres em 1991, sob a acusação de ter ”collorido” e no dia em que um empresário foi agredido com um pontapé por um freqüentador contrário às privatizações.
O nascimento espontâneo da Brizolândia, ponto de encontro de simpatizantes anônimos, pouco antes da primeira vitória de Brizola, em 1982, representou também a ressurreição da Cinelândia como centro de efervescência, após os anos de treva da ditadura. Marly Koplin garante que não vai continuar ocupando seu espaço cativo, todo santo dia. A razão estava nos dizeres do adesivo grudado ao peito: Brizola vive.
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Era, pois, esse povo que dava força e fazia do PDt uma concreta alternativa política de poder no Estado do Rio de Janeiro e com possibilidades de avançar pelo país. O grande dilema estava naquilo que poderia ser visto como uma nítida manifestação das tradicionais estruturas políticas de antes do golpe e que tinham sobrevivido como uma proposta unipessoal de poder e capacidade de enriquecimento. O combate a essas práticas era bem difícil, pois, ou se esbarrava num arremedo de proposta nacional-esquerdistas, ora na execerbação do culto à personalidade de Brizola, que era o grande fulcro condutor do PDT.
No cidade do Rio de Janeiro, graças à memória popular, que lembrava a Cadeia da Legalidade de 1961 e a vitoriosa campanha para deputado federal de Leonel Brizola em 1962, quando obteve a maior votação até hoje recebida por um candidato a deputado federal na História da ex-capital da República, na época Estado da Guanabara, o trabalho era  quase fácil, embora no interior do Estado as coisas corressem com certa dificuldade. Uma dificuldade criada pelos velhos sobas políticos conservadores que  lutavam para manter suas estruturas políticas oligárquicas intactas e poderosas. Entretanto, a despeito da formidável estrutura clientelista montada desde o velho PSD e sob a esperta direção do Almirante Amaral Peixoto que parecia um vice-rei regional, ainda havia remanescentes do velho PTB de RobertoSilveira e antigos militantes de esquerda que viam o nome de Brizola e sua proposta como algo bem positivo. Assim, junto com políticos do MDB, como J.G. de Araújo Jorge, Lisâneas Maciel e Saturnino Braga, que traziam parte de suas bases eleitorais, o PDT do Rio de Janeiro foi a caminho da legalidade exigida àquela época.
O ingresso de um forte grupo de comunistas, sob a liderança de Prestes, que via no PDT a melhor proposta para aquele momento nacional, reforçou o verniz político do Partido, embora, por força de sequelas políticas clássicas dos partidos burgueses, a sua participação foi quase truncada pela fantasia de criar núcleos de poder partidário quase que a revelia do próprio PDT. Era a ilusão de “um partido dentro de outro”, uma prática que não foi bem aceita por parte de Luis Carlos Prestes, tanto que se manteve fiel ao PDT até o dia de sua morte.
Enfim, o panorama podia ser visto de dois modos: eleitoralmente, como sentíamos em nossas andaças pelo interior, a candidatura de Leonel Brizola era factível e capaz de nos dar a vitória; politicamente, para estruturar o Partido dentro dos prazos e limites estabelecidos pela legislação, várias foram as concessões a dúbios aliados. Algo que mais tarde mostrou-se extremament danoso ao PDT, mesmo que representasse a média do que estava a acontecer em todos os Estados. Ou seja, enquanto podíamos contar com um forte apopio de massa para candidaturas majoritárias, sofríamos certa descaracterização quando a questão se colocava em termos de candidaturas proporcionais.
Graças ao apoio e a amizade de um antigo lider camponês da Paraíba, José Isidro de Souza, que tinha bons contatos com alguns setores do interior do Estado, fizemos do município de Cachoeiras do Macacu a base de operação para avançar para o interior e até mesmo contribuir para o desenvolvimento político do próprio PDT.  A base veio de um velho petebista, o engenheiro Ubirajara Muniz, que ansiava ser prefeito de sua cidade e tinha uma visão mais a esquerda que a maioria dos egressos do PTB. Com a ajuda de Ubirajara Muniz foi possível criar um pequeno jornal, “O Trabalhador”, onde pretendíamos divulgar as teses e idéias dos mais importantes líderes do PDT, além de darmos um pouco de uam visão política mais abrangente em termos nacionais e internacionais. Muitíssimo importante, também, foi a inestimável colaboração profissional do artista gráfico David Gomes Araújo, que deu forma ao que era apenas uma idéia rabiscada, além de ser um hábil articulador e político.

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Foi Assim – XXII –

Voltar para o Brasil até que não foi nenhum problema, principalmente porque escolhi a área econômica como a minha praia, não só por gostar muito do tema, mas, acima de tudo, graças aos inúmeros cursos pós-universitarios que realizei sobre o assunto, isso sem se contar o grande estímulo e investimento que o velho Partidão tinha feito para me  transformar num quadro político. O difícil foi conviver com alguns segmentos da “esquerda” encastoados na mídia, que aliados às direções dos mais importantes veículos de comunicação, desenvolviam verdadeira censura e controle político sobre os que ousavam ter um pensar divergente ao que consideravam necessário e correto. O interessante é que quando mais se aproximava a concretização da Anistia, que se pretendia ampla, geral e irrrestrita, mas que foi condicional e envergonhada, mais clara ficava essa situação de preservação dos postos de trabalho, de pequenas chefias e até de certo compromisso com o poder que continuaria.
Embora tivesse um alto grau de liberdade em termos de mobilidade, só consegui chegar a Lisboa quando tudo já  estava encerrado. Mesmo assim, ainda tive a oportunidade para debater os temas que incomodavam – anistia, partidos políticos, sindicatos, Forças Armadas e poder econômico. Foi uma boa experiência política e pessoal. Permitiu-me compreender com a mais completa exatidão aquilo que alguns pensavam ser uma espécie de “queimação ou piche”, que era o fenômeno da alienação de esquerda, quando tudo tinha o que ser considerava acertado sempre que estivesse de acordo com as linhas políticas ou os “manuais” sobre o que fazer. Era um quadro que não deixava de ser irônico, pois, embora em essência estivessem  a adotar a famosa praxis como leit motiv, por não compreenderem o movimento histórico real e circundante, concluíam por propostas em que o idealismo era a régua e o compasso.


O Brasil, para a maioria, era uma entidade amorosa, generosa e às vezes muitíssimo indiferente aos projetos tão dura e discursivamente elaborados. A anistia, que deveria ter sido um projeto político das massas, capaz de abarcar a verdadeira crítica e a autocrítica daquele período histórico, que não tivera início em 1964, mas em 1954, o que possibilitaria um processo constituinte quase revolucionário, foi apenas um acordo dentre as cúpulas sociais, políticas e econômicas para solucionar problemas individuais. Para o afetuoso resgate de cada brasileiro exilado, deportado ou asilado. Assim, o que poderia ser uma formidável conquista popular, aos poucos foi se transformando em pequenos festejos a cada regresso, como se em cada um desses eventos, a anistia cumprisse realmente com a sua finalidade histórica, que é o esquecimento.
Na verdade o processo político que desembocava na anistia e na abertura democrática era o esgotamento político da situação criada em 1964. Um esgotamento acelerado pela forte resistência popular, mas, como as forças políticas brasileiras legais aceitavam a primazia dos conceitos da democracia representativa, nos moldes de todos os países capitalistas, essa força popular ficou tão diluída, que cada grupo ou organização política se sentia com todos os direitos de seu desenlace. Deste modo, a anistia foi mais um ajuste político dentre as próprias forças que tinham dado o Golpe e alguns setores da pequena-burguesia que ambicionavam uma maior participação no bolo do poder. Um qaudro bastante facilitado pelo fato de que as novas propostas partidárias ou políticas bem pouco diferiam do que consegue se ver nos países capitalistas subdesenvolvidos, com a distribuição e invasão de quadros oligárquicos e aliados do segmentos mais poderosos da estrutura. Assim, tudo foi mudado para continuar a mesma coisa, uma evidência que o siciliano Tancredi tinha razão.


Desde a organização e constituição do movimento sindical no Brasil que ele se ressente de uma proposta extraída da própria história dos trabalhadores. Como o capitalismo brasileiro, desde a sua etapa colonial, sempre foi periférico e complementar aos interesses metropolitanos, sem a constituição de uma forte classe domoninante nacionalista, algo que quando se manifestaria com laivos autonomistas, o máximo pretendido era o atendimento de reivindicações localizadas, regionalizadas e que até poderiam desembocar numa proposta separatista, porém, jamais em uma movimento capitalista com um projeto nacional de desenvolvimento e crescimento econômico. Um quadro em nada diferente daquilo que se verificava naqueles idos de 1980, pois, enquanto neoliberalismo, por exemplo, esconde as relações de poder determinantes das atividades econômico-financeiras, nesse período, era a política que assumia esse papel alienante, embora mágico, quase místico. As relações concretas, áquelas que determinam as características essenciais de um Estado, quando eram analisadas, quase sempre estavam retidas em paradigmas quase escolásticos, tal o sentido de verdade revelada.
Ora, desse modo, de acordo com os diferentes graus de inserção social que tinham, surgem os “descobridores da pólvora” na área sindical e projetos “inovadores”. Projetos que faziam da tábula rasa da experiência anterior, seja desqualificando as entidades representativas daquelas fases históricas, seja pela desqualificação de seus líderes e processos de luta. Era como se o movimento sindical brasileiro estivesse a ser inventado naquela etapa. O resultado, como não poderia deixar de ser, foi o fracionamento e o desencontro a respeito do que fazer em termos específicos e até de um projeto político nacional. Pode-se dizer que foi a ante-sala para a montagem do pensamento neoliberal no sindicalismo brasileiro, quando, seguindo a norma geral de que consumir era e é preciso, criou-se a sua versão reivinicativa – o sindicalismo de resultado. Uma visão que esgotava a luta sindical a cada reivindicação atendida. Para os patrôes nacionais e estrangeiros aquele fracionamento, não só lhes dava melhores condições para negociar, como retirava a massa trabalhadora organizada da luta política geral. Era o que desejavam e conseguiram.
No que dizia respeito ao poder econômico, raríssimas foram as vozes condenando aquele tipo de ordem que estava a se organizar como hegemônica e única. O trágico é que os mais importantes grupos políticos que estavam a se organizar e a reaglutinar, embora tivessem personalidades de forte expressão política anterior e com bom conhecimento da realidade mundial e do Brasil, pressionados pela fortíssima campanha revisionista que assolava a esquerda em todo o mundo, também cometeram o equívoco de particularizar o que já era um parcial sintoma de um processo global.


O fim dos atos institucionais, a anistia e até as eleições de 1982, em que foram eleitos alguns dos desafetos do regime, como Leonel Brizola, Franco Montoro e Tancredo Neves, com a oposição elegendo 10 governadores, 10 senadores e uma  bancada na Câmara de 231 deputados, embora representassem a desejada abertura política, era um processo limitado por aquele acordo não-escrito entre o império, a burguesia, a banca e as oligarquias regionais, que permitia alguma coisa, contanto que não limitasse ou cerceasse os seus campos de ação. Alguns analistas mais irônicos chegam até a comparar esse acordo não-escrito com o Pacto de Moncloa, em que o franquismo restaurava a monarquia, mas, não eliminava as bases de seu poder, um poder que se mesclava com a própria monarquia.
Os anos 80 do século passado podem ser tipificados como o momento em que o sistema capitalista atingia o seu mais alto grau de desenvolvimento, expansão e capacidade acumulativa. Um proceso tão poderoso em alguns aspectos que até hoje ilude muita gente boa, que confundiram o avanço tecnológico com uma alteração nas relações de produção e no modo de produção capitalista. Uma confusão cujas bases remontam as velhas teses direitistas das não-ideologias, pois, ao se dar às novas tecnologias o poder de criar um novo modo de produção, torna-se evidente a desnecessidade das ideologias e similares. Esse processo alienante chega a quase que a se qualificar como uma nova filosofia ou teoria do conhecimento, quando ele apenas exprime uma necessidade, portanto a carência de uma nova paxis.
Essa confusão vai ser bem visível nas organizações e partidos políticos de esquerda, todos prenhes de verdades definitivas e de dúvidas respondidas. Não chegou nem a ser um ledo engano, tais os erros cometidos por essa soberbia. Erros iniciados na formação ou reestruturação, seja pela vontade de rapidamente preencher ao que era exigido para a legalização partidária, seja pela ambição pessoal de alguns que viram naquele processo o instrumento para criar um nicho de poder pessoal ou grupista. Assim, cães, gatos, lebres, sapos e cobras ganharam status de militantes partidários e até mesmo de dirigentes. Por que foi tão difícil separar o joio do trigo? Existem muitas respostas e até desculpas, entretanto, na verdade, como todo aquele processo de “redemocratrização” coxeava para a direita e havia uma inequívoca vontade subjetiva de correr com o tempo, de tal modo que essa velocidade política pudesse apagar o passdo e subitamente criar um novo sem máculas e sem as marcas do passado, os projetos políticos mais abrangentes, nacionais e estratégicos ficaram para ser retomados após aquele momento específico. Um momento que muitos consideravam como necessário para o acúmulo de forças que transformaria a quantidade em qualidade.


No caso do PDT, surgido após várias escaramuças entre Brizola e Ivette Vargas em torno do domínioda sigla do PTB, o que aconteceu foi um exemplar processo de modificação essencial entre a proposta política original e o que a realidade brasileira foi capaz de produzir. A idéia básica era a construção de um partido político de massas, entremeado de quadros, em que a doutrina política e a experiência dariam o lastro para o avanço das massas, ao mesmo tempo em que tentaria fazer do empirismo político popular uma inesgotável fonte de aprendizado.
Para alguns, saciados pela sofisticação soi disant intelectual européia, o novo pensar tinha que ser ergudo sob dois pilares básicos – a crítica dosocialismo real e do marxismo clássico e a um pensar que incorporasse as novas interpretrações revisionista do pensamento marxista moderno, como o de Antonio Gramsci, Para eles, tão ciosos de um processo especulativo “puro”, nem notaram que transmutaram o marxismo gramsciniano em idealismo quase hegeliano. Assim, ao arguirem com a tese de que Gramsci supera o conceito de Estado como sociedade política, ou aparelho coercitivo, distinguem dois campos superestruturais. Um que é a sociedade política, instrumento através dos qual a classe dominante  monopoliza legalmente o direito à  repressão e à violência. Uma prática exercida por meio dos aparelhos de coerção e grupos burocráticos ligados às forças armadas e policiais pata a aplicação das leis, que são em ;utima instância o real instrumento de poder. O outro é a sociedade civil, que ele designava  como o conjunto responsável  pela elaboração, propagação e divulgação dos valores ideológicos, o que compreende o sistema educacional clássico e familiar, os partidos políticos, as corporações, os sindicatos, os meios de comunicação, as academias de caráter científico e cultural, etc.
Esses dois campos, sociedade civil e sociedade política, tem suas funções distintas a partir dos papéis e funções que exercem na organização do nosso dia-a-dia, mais especificamente, na  reprodução e fortalecimento das relações de poder. Em suma, formam o Estado previsto por Hobbes em seu sentido mais amplo: “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia e coerção”. Na sociedade civil, as classes procuram ganhar aliados para seus projetos através da direção, de acordos interclasses e até mesmo num consenso que lembra a fábula de Mnênio Agripa. Já na sociedade política, por força das leis e da grande norma que a rege, as classes impõem uma “ditadura”, ou por outra, uma dominação fundada na coerção.
Segundo Gramsci, esses campos diferem pelo próprio tipo de praxis ou materialidades específicas. Enquanto o campo político tem seus portadores nos aparelhos coercitivos do Estado, no campo civil são os aparelhos privados de hegemonia, como a imprensa, os partidos políticos, os sindicatos, as associações, a escola privada e a Igreja que operam a coerção, porém com as características do convencimento e da catequese. Tais estratos, gerados pelas lutas econômico-sociais, estão empenhados em obter o domínio da opinião pública como condição indispensável à dominação. Por isso, às vezes prescindem da força, da violência visível do Estado, o que colocaria em perigo a legitimidade de suas pretensões. Como atuam em espaços próprios, interessados em explorar as contradições entre as forças que integram o complexo estatal, acabam por desenvolver simulacros de políticas públicas e de interesses econômicos, o que mais das vezes provoca o enfraquecimento do que desejam ser forte.
É, pois, dentro dessa realidade política que os grupos sociais, interesses econômicos e ambições pessoais vão compor as estruturas partidárias que estavam no nascedouro. Num partido como o PDT, galvanizado por uma forte liderança nacionalista e de esquerda, como Leonel Brizola, brilhantemente ajudado por protagonistas como Darcy Ribeiro, Doutel de Andrade, Bayard Demaria Boiteux, Abdias Nascimento, Benedito Cerqueira e muitos outros, a invasão direitista foi violenta, principalmente após a vitória eleitoral de 1982 no Rio de Janeiro, com  a eleição de uma bancada de 23 deputados federais e cerca de 20 deputados estaduais, quando tudo indicava que o PDT poderia vir a ser uma viável alternativa de poder. Ou seja, estava aberta a temporada de caça aos cargos e penduricalhos do poder, isso sem se contar com a reserva de mercado eleitoral que alguns deputados eleitos tentavam realizar, na clássica e monótona repetição da sempiterna prática burguesa política.

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Foi Assim – XXI –

 
Durante quase todo aquele período em que ficava pulando de país em país, ora na qualidade de repórter, ora como um militante, mais difícil que driblar e escapar das tramas repressivas foi manter a distância de muitos grupos e indivíduos que viviam no exílio. Com a exceção do meu amigo Jayme Dantas, do JB, a quem conhecia de outros carnavais, fazia questão de evitar maiores contatos com os colegas brasileiros, não porque tivesse receio de uma possível ligação com a repressão, mas, porque sempre considerei anti-higiênico muita intimidade. E naqueles tempos, além de sapinho podia produzir outros indesejáveis efeitos colaterais.
Porém, através de alguns amigos, velhos companheiros e da Organização, sempre era possível dar as informações que poderiam ter algum uso para todos os que estavam no exílio. Vi com certo ceticismo o surgimento de inúmeros veículos informativos, uns mais voltados para o debate de teses, outros mais presos ao que seria um jornalismo analítico. O maior problema, não era nem a qualidade das matérias e dos textos, mas, a paixão e certo wishfull thinking, que evitavam a clareza das propostas e um possível encaminhamento unitário. Das experiências mais duradouras, creio que duas fora as mais importantes, o “Frente Brasileño de Información” e a “Campanha”.
Hoje, longe das tensões e pressões daquela época, até que parece fácil o exercício da crítica, como alguns já fizeram. São críticas voltadas mais para certos aspectos formais e ao cotejo dentre as diversas tendências políticas que agitavam aquele pequeno mundo brasileiro. Essas críticas, a despeito do brilhantismo acadêmico, teórico e estilista dos autores, pecam por deixar para trás aquilo que era (e é) o mais importante – o processo/movimento histórico que se realizava à revelia dos sonhos, anseios e modelos teóricos dos exilados e de suas organizações. Foi um erro? O mais exato é crer no equívoco e no ilusionismo provocado pelo trágico rompimento de projetos de poder e crescimento político por parte de pessoas,  de organizações políticas, de algumas entidades de massa e organizações sociais.
Para haver uma autocrítica efetivamente corretora de rumos, mais do que a simples leitura dos clássicos e dos inúmeros seminários de debates sobre uma realidade idealizada, ou mea culpa. mea maxima culpa, tornava-se preciso uma abordagem mais científica e proprensa a entender que a dialética da história não exclui os atos humanos, logo seria necessária uma rigorosa análise a respeito dos erros políticos que redundaram na fragilidade das forças políticas e sociais brasileiras. Uma fragilidade tão intensa que, num olhar retrospectivo, há a sensação de que a sociedade brasileira, como um todo, esteve de acordo como golpe e sua pregação direitista desde o início. Uma sensação que é verdade e não é. É verdadeira quando se analisa a inação ante ao Golpe e quanto a total falta de um projeto político nacional unitário. É falsa, pois, essa inação foi apenas o perverso reflexo de um fenômeno político chamado de “idealismo” que, a despeito de estar com um revestimento vocabular de esquerda, em termos concretos tentava fazer uma “revolução” com os mesmos instrumentos de ação e desenvolvimento econômico burguês, mesmo sem ter clareza de que agia desse modo. É, pois, nesse quadro de dúvidas existenciais políticas que o ano de 1977 dá o ar de sua graça e vai ser o mote de dois anos, sendo que em 1978, com o fim do AI-5, algumas dúvidas deixam de existir, substituídas por aquilo que se poderia chamar de “realismo cínico”, em que o possível cede lugar à concordância com a lógica da abertura gradualista em todos os aspectos.


A ascenção de Jimmy Carter à Presidência dos Estados Unidos e o modo como agiu para salvaguardar a segurança física de Leonel Brizola, ameaçado pelos militares uruguaios e brasileiros, deu um certo alívio às levas de brasileiros e latinoamericanos que zanzavam pela Europa e Estados Unidos. Era o começo da “campanha imperialista pelos direitos humanos”. Uma “campanha” que será o grande trunfo “político” a ser arguido pelo Império contra todos os países que discordem de seu sistema. No entanto, naquela época teve importância no enfraquecimento de alguns governos ditatoriais na América Latina, como no Brasil, ao dar força para o desdobramento do projeto político de Ernesto Geisel. Como estava na Colombia, em busca de contatos e possíveis entrevistas com os grupos guerrilheiros que por lá lutavam, como o ELN, FARC, M19 e o EPL não foi possível acompanhar as dificuldades vividas por Leonel Brizola e sua família lá em Montevideo. Mas tarde, soube que a situação foi bastante ruim e com fortes ameaças à integridade física do ex-governador gaúcho, tanto por parte de setores militares brasileiros, quanto por grupos uruguaios. A interferência pessoal de Jimmy Carter evitou um quadro mais grave e serviu para debilitar alguns grupos militares brasileiros que estavam interessados em manter inalterada a linha de conduta da “democrática” ditadura brasileira e contra os projetos políticos de Ernesto Geisel.
Aliás é bem interessante o que aconteceu depois da “abertura humanista” de Jimmy Carter  e com o avanço do projeto político de Ernesto Geisel e de determinados setores da vida econômica brasileira, nacionais ou não. Com a simples alteração do eixo tático do expansionismo imperialista ianque, em que uma novilíngua explicadora e jutificadora da “nova” ideologia – a não-ideologia – estava a ser divulgada aos quatros ventos, seja pela direita, seja por grupos soi disant de esquerda, num quase piscar d’olhos todo esforço e  luta dos milhares de brasileiros pela redemocratização do país, além ser démodé, era algo capaz de ameaçar o iluminista projeto de dois gênios da raça, os legítimos e autênticos déspotas esclarecidos, Geisel e Golbery. Segundo a opinião de seus áulicos na mídia e na universidade.
O principal instrumento para a catequização e domínio das “mentes e corações”, como dizia Lyndon Johnson quando da Guerra do Vietnam, foi a adoção da contra-cultura e da exacerbação do culto ao individualismo e do hedonismo pessoal como formas de “combate” ao establishment. Um establishment careta e antediluviano. Foi a deixa para que todo o mundo desenvolvido, através de seus líderes de vanguarda, passasse a ser contestador en petit comité ou sozinho, até porque a moral e o processo histórico eram criações solipsistas. Se essas manifestações tivessem apenas se circunscrito ao universo do primeiro mundo, embora os danos pudessem ser mais tarde contabilizados, até que as coisas poderiam ser de forma diferente por nossas bandas. O problema é que o alvo fundamental erámos nós. Não por uma deliberada malvadeza, mas, por representarmos o que já estava a desaparecer naquelas civilizadas e desenvolvidas plagas, o futuro em termos de expansão material e também na construção de uma cultura mais inovadora e universal que a produzida pelas linhas de montagem do sistema capitalista. Ou seja, mais do que o singelo quintal ou terrenos baldio do Império, tínhamos e temos a chave para a continuidade do progresso humano.


O problema é que, tanto naquela época, quanto agora, o sistema, por não ser capaz de olhar para as próprias entranhas, jamais entenderia que nesse futuro progresso, não há a menor possibilidade de sua permanência como economia política da humanidade. Esse é pois o dilema do sistema, quase que a reviver o Mito de Sisifo, por não compreender que a pedra sempre rolará de volta, pois esta é sua natureza. Só que para a nossa tragédia, enquanto se poderia esperar um ato de rebeldia contra esse fatalismo, para o sistema, mesmo que isso o conduza à morte, ficará nessa repetição por toda a eternidade. Desse modo, como não foi(ou era) possível olhar para o seu âmago e ler o futuro em suas entranhas, também no Brasil e na América Latina inúmeros foram os entreatos, cuja única diferença estava no desempenho dos protagonistas e personagens. No mais o máximo era torcer para que no grand finale se pudesse parafrasear Shakespeare – all’s well that ends well.
Assim, entre a gloriosa ascenção hegemônica do Império e do neoliberalismo, o Brasil começa a dar os primeiros passos para uma redemocratização, lenta, gradual e segura, tudo sob o iluminado comando dos dois generais. O delirio provocado pela contracultura e pela fantasia de se estar criando arte e cultura com qualquer badulaque, vai ser tão forte que em nome de “revisionismo crítico” há a esdrúxula valorização do que só existe como uma simples manifestação individual de mentes infantilizadas ou supostamente hiper-intelectualizadas. Ou seja, é a fraude ganhando status de arte ou de explicações políticas. O mais divertido e trágico de tudo isso eram as reuniões em que se discutiam os possíveis caminhos políticos do país após a abertura total e a anistia geral. Mais uma vez confundiam o  continente com o conteúdo, a forma com a essência.
Nessa confusão, já a caminho de produzir uma formidável geléia geral, o que era claro e verdadeiro em termos factuais, por força da revisão crítica, ganha tons e contornos já não tão claros e definidos. Um exemplo é a analise que se começa fazer acerca do papel desempenhado pela burguesia nacional, agora, quase vítima, pois, a ditadura, foi um projeto político isolado dos militares, que ultraciosos de seu papel como defensores da democracia e da civilização ocidental e cristã, planejaram e executaram a ruptura da legalidade e instalaram a ditadura, num ato de tresloucada interpretação preventiva.
É assim que o Brasil vai caminhar para Anistia e para a redemocratização, tudo muito gradual e com a parcimônia daqueles que temem ser injustos ou exageradamente afobados. Muitos temiam que a volta dos exilados pudesse romper com aquela redoma repressiva-democrática que Geisel, Golbery e Figueiredo tinham criado. Havia o receio de que talvez houvesse a possibilidade de que viesse alguém com a vontade de ver, de olhar o rei, ver a sua nudez e isso tornar bem claro. A bem da verdade, há uma ou outra voz que ousa falar a verdade, de que a ditadura tinha apenas melhorado a vida dos ricos, dos mais ricos, do império e piorado a vida dos mais pobres. O milagre há muito que se acabara.


No exílio europeu e estadounidense, onde a vida parecia estar sempre vista por grandiosas lentes de Pangloss, mil-e-um planos eram armados num dia e desarmados noutro. Entretanto, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos, centros irradiadores do novo conceito de hegemonia imperialista – o neoliberalismo, tudo se orientava no sentido de se criar um novo, só que um novo com todas as características do que existia em 1964. É claro que há a inclusão de novos temas, não porque representassem reflexos de grandes lutas sociais, mas, por significarem o fracionamento tático do sentido geral das lutas sociais, que até antes de 1964 faziam revindicações totalizantes – capazes de atender o maior e o menor, mas que eram incapazes de prontamente criar uma plataforma de reivindicações bem particulares. Um fato que será agora atendido, pois, a velha divisão social não corresponde mais aos reclamos da nova realidade. Uma realidade em que o homem, não será medido por si mesmo, mas, por sua capacidade de consumir e suplantar o outro.  
Assim, dentre os grupos exilados com forte conexões com a História até 1964, antigos trabalhistas e setores da esquerda armada congregados em torno da liderança de Leonel Brizola, reunidos em Lisboa em juho de 1979, após o encontro preparatório realizado no México entre Brizola, Darcy Ribeiro, Francisco Julião, Neiva Moreira, etc, decidem se organizar e reconstruir um partido com a mesma base social e política do velho PTB. Aliás, um dos melhores relatos sobre aquele evento lisboeta, é de autoria do jornalista Francisco das Chagas Leite Filho, membro do Diretório Nacional do PDTe autor da excelente biografia de Brizola, “El Caudillo”:


“No meio da tensão, uma proposta conseqüente para o Brasil
Por FC Leite Filho
O encontro de Lisboa foi o principal acontecimento daquele mês de junho de 79. Sua realização coincidia com a ultimação, pelo governo do general Figueiredo, o último dos militares do regime de 64, do projeto de anistia, que devolveria os direitos políticos aos cassados e permitiria o retorno dos exilados à pátria. A política vivia um clima de ebulição, porque a ditadura tinha limitado em apenas dois o número de partidos: o PDS, a antiga Arena, do Governo; e o MDB, da oposição. A anistia, evidentemente, iria implodir estes dois gordos monopólios, particularmente o da oposição, que se cevava eleitoralmente com o crescente desprestígio do Governo militar. Ora. tanto os políticos cassados como os retornados do exílio, que somavam ao todo mais de duas mil pessoas, iriam procurar seu lugar ao sol, de preferência num novo Partido livre das amarras do bipartidarismo.
Leonel Brizola era especialmente visado, porque sua mística de revolucionário, grande administrador, líder político e cidadão marcado de morte pela ditadura, tinha sido acrescida de 15 anos de exílio, uma expulsão dramática do Uruguai e sobretudo as relações que passou a cultivar nos países europeus dominados pelos socialistas e o welfare state (Estado do Bem-Estar Social) faziam tremer o velho establishment brasileiro: “Ele vem para dividir as oposições”, apregoavam os emedebistas mais nervosos, e “assim facilitar a vida do regime”. Era uma pecha muito bem engendrada e inteligente, pois confundiu muitos democratas ingênuos, até o dia em que o PMDB, novo nome que tomou o MDB, mostrou sua verdadeira face ao assumir o poder da República com o governo Sarney em 1985.
O Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio começa praticamente no dia (13 de junho de 1979) em que o Presidente-General João Figueiredo dá os retoques finais no projeto de anistia, preparado pelo ministro da Justiça, o hábil senador Petrônio Portela (PDS-PI). O mundo vivia um clima otimista com a política de Direitos Humanos do presidente americano Jimmy Carter, que começava a minar o poder e a influência dos militares, então dominando praticamente toda a América Latina. A Social-Democracia dominava a Europa com o chamado welfare state, onde o Estado garantia quase pleno emprego a todos e ainda dava assistência médica gratuita e segura aposentadoria a ricos e pobres. A ditadura de Somoza estava por um fio na Nicarágua, tendo os sandinistas acabado de entrar em León, a segunda maior cidade do país.
Mário Soares, que acabava de ser premier de Portugal, fez questão de não só participar como dar toda a cobertura ao novo Partido co-irmão que surgiria daquele encontro. Com este propósito ofereceu a imponente sede de seu Partido Socialista, localizada no Largo Rato, zona central de Lisboa, para que fosse a sede do encontro. Ao abrir a cerimônia, Mário Soares lembrou que o PS tinha sido também fundado no exílio, havia mais de 100 anos. O ambiente era acolhedor, porque os portugueses adoram os brasileiros, principalmente naquela época quando estava na moda a retransmissão de nossas novelas pela TV portuguesa. A maioria procurava imitar o sotaque brasileiro, que o português acha melodioso, doce, carinhoso, como diziam,
Nos bastidores do poder em Brasília, contudo, havia muita pressão e contra-pressão e principalmente intrigas, fofocas, conspirações, plantações, um prato cheio para os jornalistas, já quase todos libertos das garras da censura. Por esta razão, os jornais só falavam no Encontro de Lisboa. Jornalista em missão na Europa, estava na Alemanha cobrindo as primeiras eleições do Parlamento Europeu, quando meu jornal, o Correio Braziliense, resolve me deslocar para Portugal com o fim de cobrir o evento. Junto comigo seguiram dois companheiros, que também se encontravam na Alemanha na mesma missão: Rubem de Azevedo Lima, da Folha de S. Paulo, e Merval Pereira, de O Globo, todos baseados em Brasília. Nosso primeiro encontro com Brizola foi obtido pelo jornalista Flávio Tavares, velho companheiro de lutas do líder trabalhista, desde a Campanha da Legalidade, tornado internacionalmente conhecido pelas torturas que sofreu no regime militar do Uruguai e por seu trabalho como correspondente internacional do Excelsior, do México, e de nosso Estadão, e que funcionava como assessor de imprensa do encontro, e como não poderia deixar de ser, ilustre signatário da Carta de Lisboa.
Almoço – Brizola prefere conversar com os repórteres num almoço privé no Hotel Florida, onde estava hospedado. Ele queria dar um tom de informalidade, o quanto distante possível da declaração formal, já que os jornalistas não arriscariam a puxar a caneta. Era evidente, porém, tanto para ele como para os jornalistas, que dali sairia uma boa matéria, até mesmo uma peça histórica, pois era a primeira vez que o líder trabalhista se abria aos repórteres de seu país depois de muitos anos. E o fez com gosto, dissecando longa e descontraidamente a situação brasileira, fazendo um amplo histórico de nossa realidade,desde o império até aqueles dias.
Sentado em cima do povo – Disse que o MDB “estava sentado em cima do povo”, pois agia de forma ditatorial ao não permitir o surgimento de outros partidos com bandeiras oposicionistas. Lembrou o passado do deputado Ulysses Guimarães, que apoiou o golpe militar contra o governo democrático de João Goulart em 1964, e se enfileirava sempre entre os conservadores, indagando: “Por que só o MDB pode usar a marca Coca-Cola? Porque eu tenho que usar obrigatoriamente o nome do Brossard? Por que ninguém mais pode ser oposicionista se não for do MDB?”.
Os mexericos eram terríveis e o manchetão que o Correio deu da minha matéria “Brizola mostra as garras” provocou alvoroço. Preocupado com a repercussão negativa, não do que tinha falado mas dos termos da manchete, pois vinha sustentanto uma postura de moderação, ele me chama em particular à sua suíte no hotel. Eu, repórter ainda novo na cobertura política, embora tivesse passagem de correspondente em Londres durante um ano, fiz-lhe ver que era responsável pelo texto da matéria e não pelo título: “Eu sei disso, sua matéria está correta, o jornal não precisava exagerar”. Com efeito, os peemedebistas reagiram com violência, chamando Brizola de ditador, pelego, e denunciaram que o Encontro de Lisboa recebia financiamento internacional, mais precisamente dos governos europeus dominados pelos socialistas.
Brizola explicou que não quis ofender Ulysses nem outros líderes do MDB, mas sustentou que o “trabalhismo quer ter a sua vez, como o estão tendo o MDB e o PC, dentro do MDB”. Não obstante, a central de intrigas estava a todo vapor. Dois dias depois da abertura do encontro, o jornalista Mauro Guimarães, do Jornal do Brasil, que não teve contato com nosso grupo de Brasília pois era da cúpula do jornal no Rio, estampou em primeira página: “Brizola não se preocupa com os militares porque a organização popular, através de um partido prestigioso e forte, vai discipliná-los”.
Ameaça do Exército – Ora, o AI-5 tinha sido abolido mas os militares ainda empalmavam o poder, e aquilo foi recebido como provocação. Sem verificar a veracidade do material jornalístico, que depois se revelou equivocado, ou uma barriga, como se diz no jargão da redação, os três ministros militares deram declarações iradas com sérias ameaças a Brizola. O general Valter Pires, ministro do Exército, que se orgulhava de ser o durão do regime, expediu nota oficial chamando Brizola de “um evadido de 1964” e de “refugiado no estrangeiro, de onde tem estado em permanente conspiração contra a democracia brasileira”. O general terminava dizendo que “o Exército jamais esteve tão disciplinado como nos últimos 15 anos”.
Na época não havia internet, fax, nem computador e as ligações internacionais, além de caríssimas, eram precárias. Havia também a diferença de fuso de 5 horas entre Lisboa e Brasília. Por isso, Brizola só foi tomar conhecimento da matéria do JB depois da meia noite. Ele passou a noite ouvindo as gravações do encontro, e no outro dia expediu uma longa nota, na qual fez questão de transcrever na íntegra, inclusive com os aplausos de sua fala ao Encontro. O jornalista tinha interpretado mal suas palavras.
Brizola aproveitou a oportunidade para dar um cutucada na mídia, que lhe foi sempre hostil desde que mandou encampar as empresas americanas quando governador do Rio Grande do Sul, a partir de 59, e nos próprios poderosos – e carrancudos – ministros militares:
“Deste lamentável episódio, entendo devam ser destacadas duas grandes advertências:
a) O quanto são prejudiciais e perigosas as notícias deformadas ou improcedentes:
b) A inutilidade dos gigantescos e poderosos serviços de informação na medida em que, por má fé ou omissão, levaram os três mais altos chefes militares do país a um equívoco. Neste caso, felizmente, seus danosos efeitos foram contra uma pessoa apenas. Mesmo assim, o certo é que o episódio concorre para a criação de um clima de maiores restrições ainda à anistia, dificultando a volta à pátria de todos os perseguidos pelo regime.
Sobre o ataque pessoal que lhe desferiu o general Pires, a nota de Brizola afirmou: “Quanto aos fatos e situações do passado, a História nos julgará a todos; e relativamente à minha conduta no presente, preocupo-me somente com o julgamento do povo brasileiro. Os duros agravos pessoais que me foram dirigidos não me atingem e nem me afastarão da linha de equilíbrio e responsabilidade que me tracei, na firme disposição de tudo fazer pela restauração das liberdades democráticas, condição essencial para que nosso país consiga superar as dificuldades e os problemas a que foi levado por esses 15 anos de autoritarismo.”
Todos estes episódios acabaram sendo superados, ainda que a duras penas e principalmente graças a uma verdadeira obsessão de Brizola em desmontar a rede de intrigas. Acabaram contribuindo para dar uma projeção maior ao Encontro. Este, juntamente com a Carta de Lisboa, consubstanciando suas conclusões, passaram a constituir não só um fato histórico de grande relevância, mas sobretudo uma alternativa conseqüente para a crise brasileira, que continuará a se aprofundar mais ainda enquanto não for testada a proposta trabalhista, que em resumo nada mais é que a continuação da obra de Getúlio Vargas e João Goulart, sintetizada no Trabalhismo.”

É, pois, nesse quadro político que retorno ao Brasil e às lides politico-partidárias. Embora fizesse alguns reparos a certo voluntarismo de certos companheiros trabalhistas e de esquerda, como era muito marcante o pensamento político transformador, consubstanciado nas figuras de Adão Pereira Nunes, Doutel de Andrade, Carlos Fayal Lira, Benedito Cerqueira, Darcy Ribeiro e Brizola, é claro, foi fácil aderir à construção daquele projeto esboçado na Carta de Lisboa. Surgia a história do PDT.

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Foi assim – XX –

Era outono. A estação do ano em que Buenos Aires fica mais bonita, com o céu com a mesma cor do azul  da bandeira argentina. É a melhor época para se andar pela cidade, com muito vagar e tranquilidade. Assim, logo naqueles primeiros dias de retorno à Buenos Aires, gastei muito do meu tempo em andanças. Parte para botar ordem nas minhas emoções, bastante abaladas em termos íntimos e com as não-notícias sobre vários conhecidos e amigos. O quadro era de muito medo por parte de quase todo mundo, até os mais emperdenidos alienados e “personalidades acima de qualquer supeita” demonstravam temor. Um temor difuso, pois, a violência podia rebentar a qualquer momento e sem muita ou nenhuma explicação, quanto mais qualquer tipo de razão. Era épocas irracionais, embora com a lógica da  maldade  institucional do império.                                                                                                                 Até 1974, um dos pouco momentos de alívio e alegria eram os almoços com o potiguar Jaime Dantas, quando falávamos sobre tudo – política, música, países, a própria vida e sobre o Brasil e sobre os Estados Unidos, onde também trabalhou. Momentos que foram interrompidos com a sua remoção da Argentina. Entretanto, certo ou errado, mantive os almoços no “Continental” e os fins de tarde no Café Tortoni. Só nos fins-de-semana é que havia a interrupção desse quase hábito, pois, viajava para Mendoza e me embrenhava na Cordilheira ou em algum vinhedo de conhecidos. Fiquei nessa rotina até setembro, quando resolvi atravessar o Río de La Plata para saber com mais detalhes sobre o que acontecia no Uruguai.
Mesmo com todo o aparato repressivo e clima de terror instalado entre as pessoas, ainda era possível a obtenção de algumas informações, quase sempre ruins e tristes, como as que tratavam sobre o desaparecimento e sequestro de inúmeros asilados uruguaios e chilenos. Era o “plan Condor” em sua plenitude operacional do ponto de vista tático, um sólido instrumento para criar o silêncio como fator necessário para o desdobramento de seus projetos estratégicos.
As operações repressiva do Plano Cóndor contra os uruguaios exilados na Argentina depois do golpe de Estado de 1973, foi organizado meticulosa e friamente graças ao assessoramento de experts estadunidenses e de outras nacionalidades, como gente do Mossad, do Shin Bet, do MI- 6 e SDECE, que através da coordenação de polícias uruguaios no vizinho país, desde fins de 1975 cuidavam das partes práticas, mas se agudiza a partir de 24 de março de 1976, quando a junta militar argentina derruba à presidenta Isabel Martínez de Perón. Segundo alguns jornalistas uruguaios, especialistas no tema, desde a morte de Dan Mitrione, em agosto de 1970, que o Uruguai tinha certo valor estratégico, principalmente porque para os serviços de inteligência dos Estados Unidos, destruir os Tupamaros era uma questão de honra, ao mesmo tempo que enfraqueceria os seus aliados sulamericanos.
É, pois, dentro dessa linha de raciocíno que são realizados os assassinatos dos legisladores Zelmar Michelini e Héctor Gutiérrez Ruiz, dos tupamaros Rosario Barredo e Williams Whitelaw e dos militantes do PVP, Telma Juárez e Eduardo Chizzola, quem por anos supôs-se desaparecido, quando tinha sido enterrado como “NN” em um cemitério de Buenos Aires. Também então se produzem em Buenos Aires os desaparecimentos dos uruguaios Ary Cabrera, Eduardo Espinosa, José Enrique Caitano, Hugo Gomensoro Josman, Branca Rodríguez de Beisso, Daniel Goicochea, e do dirigente comunista Manuel Liberoff.
Embora fosse muito intensa a permuta de experiências e informes entre os mais variados serviços de inteligência, repressão e segurança do Cone Sul, com exceção dos fatos acontecidos no Chile em seguida ao Golpe de 11 de setembro de 1973, quando alguns brasileiros foram executados ou desparecidos – Tulio Roberto Cardoso Quintiliano, Nelson de Souza Khol (desparecido), Luis Carlos Almeida, Antenor Machado dos Santos, Wânio José Matos(morto sob tortura no Estádio Nacional) e Jane Vanini (morta em 1974 na cidade Concepción) – a repressão ainda não era visível entre os exilados brasileiros que continuavam no Cone Sul. No entanto, a bem da verdade, eram frequentes os boatos a respeito do assassínio de brasileiros, argentinos e ururguaios nas fronteiras comuns entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Como era uma repressão voltada para esmagar possíveis organizações sindicalistas e reivindicatórias de simples trabalhadores, tudo era abafado e escondido de tal modo que parecia nem ter havido.
No Uruguai, a exemplo do que acontecia no Chile e na Argentina, falar em liberdades democráticas ou Estado de Direito era tão fantasista quanto sonhar com uma viagem a Saturno. Da falada, tida e havida “Suiça da América” só algumas tênues lembranças e mesmo assim bem fugidias. O governo de Juan Maria Bordaberry, que tinha se estabelecido como um ditador a partir de 1973, chega ao fim em junho e depois do interregno de Pedro Alberto Demicheli, assume o advogado Aparício Méndez Manfredini que, tutelado pelas Forças Armadas e orientado pelo Plan Condor, vai governar até 1981. Fora os inevitáveis inconvenientes e a desagradabilíssima situação de alguém mal tolerado, a vida dos brasileiros que por lá viviam seguia a velha rotina dos encontros para a atualização quanto aos boatos e verdades que vinham do Brasil, além de estarem bem atentos ao desenlace do quadro político. Um quadro que sempre os fazia recordar do primarismo político da aventura lacerdista da Frente Ampla, em que simulando uma proposta de redemocratização, na realidade pretendia realizar um Golpe dentro do Golpe, algo que acabou se tornando uma trágica realidade com a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968 e que perdurou até setembro de 1978, quando Geisel o revoga e restabelece alguns direitos civis até então derrogados. Enfim, entre esperanças e o desejo de retornar ao Brasil, os exilados faziam projetos políticos para um futuro que ansiavam ser bem próximo.
Uma das principais características do pensamento político que grassava nas hostes de quase todos os remanescentes das organizações políticas dos anos 60 e 70, longe de ser a revisão de algumas propostas “equivocadamentes” presas ao universo político criado entre as duas Grandes Guerras Mundiais, em que havia uma objetiva crítica ao capitalismo, como foram as experiências do Europa Oriental e da URSS, era a “crítica pela crítica”, bem ao estilo anárquico daquela máxima do Tim O’Leary – é proibido proibir.  Assim, sem que notassem, longe de serem críticos de uma estrutura, balizavam-se por certa causticidade ante simples manifestações externas do que era o sistema. Era o massivo advento do que mais tarde seria conhecido como contracultura e dava lastro às pueris negações do Estado como agente do bem público. Como havia a necessidade de justificar essas críticas a partir de coisas concretas, o caminho foi isolar o Estado de suas características histórico-econômicas e “analisá-lo” como uma entidade autônoma e autoreferente. Uma tarefa que foi muito facilitada pela lógica idealista que embasa a ideologia do sistema, assim, num piscar de olhos, todos os males do mundo podiam e deviam ser entendidos como produzidos por aquele Leviatã.            warriors
O resultado foi o (re)surgimento das velhas teses sobre a inexistência das ideologias, do fortalecimento das teses individualistas mais exarcerbadas que o liberalismo poderia criar, porém, como não poderiam e nem queriam ser acusados de reacionários, o jeito foi defender a “democratização” do Estado através da pulverização de seus encargos, serviços e responsabilidades, que seriam executados por organizações não governamentais especialmente criadas para isso. Com isso, além de assegurarem a redução do Estado e garantirem uma inesgotável fonte de recursos, faziam avançar a nova expansão capitalista, que era a consolidação de seu poder imperialista. Querer discutir esse tema era impossível, pois, além do mesmo fervor dos cristãos-novos, havia a possibilidade de ganhos políticos e vantagens concretas com a adoção desse novo receituário de economia política. Mesmo os que discordavam desse modo de agir e pensar, em nome de alguns movimentos táticos, terminavam por ceder ante à irreprimível pressão daquelas insidiosas teses. Teses quase sempre involucradas em belos sofismas formais e fortes apelos às emoções individuais.
É, pois, nesse cipoal de idéias e dúvidas que alguns exilados brasileiros tentavam manter acesas as chamas da esperança e do futuro. O que, devido às circunstâncias específicas daquela situação, era algo de grande força e valia. Dentre os mais ilustres asilados políticos brasileiros, como Jango, Brizola, Neiva Moreira, Amauri Silva, Djalma Maranhão a expectativa era constante. Um quadro que também era compartilhado pelos moradores da Calle Maldonado e do Cerro, embora, por óbvios motivos de sobrevivência, na maioria ex-sargentos e cabos das Forças Armadas Brasileiras, outros assuntos e preocupações os obrigavam a outros afazeres, como trabalhar em restaurantes e fazer pequenos serviços. Entretanto, a despeito dessa situação de dificuldades materiais e das angústias quanto ao que passavam as suas famílias no Brasil- que lhes negava os mínimos direitos de pensões -, pode-se dizer que o estado moral era bem alto. É claro que havia quem se deprimisse com aquela situação e até voltasse para o Brasil de qualquer maneira, como aconteceu com o Coronel Emanuel Nicol, que conheci no QG da 3ª Zona Aérea e como chefe do Estado-Maior mostrou-se favorável à resistência militar, o que significaria bombardear as tropas do Mourão e os “aguerridos” lacerdistas que já ensaiavam a violenta repressão que o Golpe geraria.
O interessante é que aquele quadro seria modificado com a eleição de James Carter. É claro que o imperalismo já estava com seus projetos bem encaminhados para o fortalecimento da estrutura econômica que tornava a “teoria da dependência” como pensara Fernando Henrique Cardoso, na verdade das verdades – os países subdesenvolvidos podem crescer economicamente mesmo como economias periféricas, dependentes e subsidiárias ao centro metropolitano. No entanto, como a aliança entre o Império e as oligarquias nacionais tinha diferentes graus e dependia do tipo de relação que suas economias mantinham entre si, assim que o novo presidente dos Estados Unidos se definiu por uma política voltada para a defesa dos direitos humanos e de combate aos governos ditatoriais em alguns países, houve certa fissura entre os componentes do poder. No Brasil, por exemplo, o general Ernesto Geisel, muito interessado na montagem de uma estrutura de poder pessoal e política mais autonomista que seus antecessores – numa versão teuto-gaúcha do despotismo esclarecido-, lança as bases para o que ele chamaria de uma abertura política lenta, gradual e segura.
Na Argentina, no Chile e no Uruguai, por exemplo, foram ínfimos os efeitos da nova orientação do Império traçada pela Casa Branca. Nesses países, mais do que uma ligação econômica, os poderes que por lá existiam, representavam aspectos políticos daquela fase capitalista – o neoliberalismo. Nessa etapa, além do altíssimo grau de liberdade para a ação econômico-financeira, havia o completo descaso pelo desenvolvimento de formas democráticas no exercício do poder, pois, identificavam nas limitações políticas e jurídicas, que essas formas democráticas de poder poderiam trazer à plena e completa liberdade econômico-financeira, um entrave e uma autêntica violação dos princípios desse neo-liberalismo. Um quadro que era bem mais fácil de ser defendido pelo status dominante, pois, nesses países a participação do Estado como força econômica autônoma já era quase mínima e circunscrita à atividades não ambicionadas pelas empresas particulares. Já, no Brasil, a despeito duma política econômica favorável ao capital forâneo, a presença do Estado era bastante significativa e de suma importância para a definição do rumos da economia brasileira. Enquanto isso, bem ao lado, na Colombia e na Venezuela outros eram os ventos, ainda ue fosse forte e objetiva a participação do império em suas lutas políticas e civis.         
Com a chegada de 1977, no Uruguai de Aparício Méndez, a CIA, aliada ao Pentágono, resolve pressionar para que os exilados brasileiros de maior renome político tenham menos liberdade que antes. Um dos seus alvos é Leonel Brizola que tinham a capacidade de interferir nas eleições estaduais do Rio Grande do Sul, tal a sua popularidade em seu Estado natal. O resultado é a ordem de expulsão do ex-governador gaúcho, em setembro de 1977, quando recebe o salvo-conduto e o visto para viajar para os Estados Unidos, através da direta intervenção do presidente Jimmy Carter. Com isso há certa desordem nos planos dos serviços de inteligência, que têm de aceitar Brizola podendo circular com liberdade por todo o mundo, não como um pária, mas, como uma legítima liderança política latino-americana. Nos Estados Unidos permanece por pouco tempo, de setembro de 1977 a início de janeiro de 1978. Tempo suficiente para manter conversações com outras personalidades brasileiras e estrangeiras, já com vistas a um futuro mais próximo e à necessidade da construção de um partido político de massas e de quadros. Dos Estados Unidos vai para Europa. Fixa moradia em Lisboa e de lá circula pelo Velho Continente, ciceroneado por Willy Brandt e Mário Soares que patrocinam o seu ingresso na Internacional Socialista.
Depois da saída de Leonel Brizola, a quem tinha um velho relacionamento político, embora nem sempre tenhamos estado de acordo em algumas questões, reduzi as minhas visitas ao Urguai e retomei à rotina porteña, argentina e às viagens de trabalho para a Bolivia, sob o comando de Hugo Banzer Suárez, ao Paraguai de Alfredo Stroessner, ao Peru de Francisco Bermúdez que sucedia ao general nacionalista Juan Velasco Alvarado, á Colombia e à Venezuela. Aliás nesses dois países andino-amazônico-caribenhos o quadro apresentava todas as características da literal interpretação do conceito guevarista sobre “um, cem, mil vietnãs” como forma de derrotar o domínio imperialista, tal era a proliferação de guerrilhas neses dois países.

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Foi assim… – XIX –

Enquanto me desembaraçava com o pessoal da imigração, que quase nem olhou para mim, pois, estava a usar o meu passaporte canadense, foi que comecei a ter a noção exata do que tinha feito e do que tinha me acontecido. Embora seja muito difícil recordar emoções e sensações afetivas, juro que até agora sinto a dor daquela separação e que devo ter ficado em estado de choque como forma de superar a amargura e a dor. De qualquer forma, pelo certo ou pelo errado, estava no Estados Unidos, na cidade de Boston, que é um lugares civilizados daquele país. Até que pensei em ficar mais tempo, no entanto, como precisava me ocupar e dar um rumo à minha vida, demorei o suficiente para visitar dois jornais, o “Boston Globe” e o “Boston Herald”, pois precisava ter notícias dos EUA por uma visão quase independente.
As conversas com os meus colegas estadunidenses foram bem produtivas em termos de elementos para pensar e o que é mais importante, passei a ter coisas com que pensar e a me preocupar. Foi nesses papos que soube das dificuldades que o Partido Republicano tinha para reeleger Gerald Ford, embora o candidato dos Democratas fosse bem fraco em termos eleitorais, o Jimmy Carter, um fato tão real que fez com que a sua vitória fosse bem magra, tanto nos votos diretos, quanto nos colégios eleitorais. O importante é que todos afirmavam que o ex-governador da sulista Georgia, mesmo tendo um forte origem religiosa batista e de tradicional família do sul, seria muito positivo quanto à pacificação política do país, que ainda estava muito traumatizado com o insucesso no Vietnam.                                                                     
Afirmações que se confirmaram, pois, ao adotar um discurso ao estilo “política da boa vizinhança” de Franklin Delano Roosevelt e pregar o resguardo dos direitos humanos no continente americano, provocou o enfraquecimento dos totálitários governos direitistas que infestavam a América Latina e o Caribe. É claro que para a Argentina, o Chile, o Paraguai e a Bolívia suas atitudes foram de pouca eficácia na demolição dos aparatos ditatoriais, oligárquicos e servís aos interesses das transnacionais que assumiam as mesmas funções de coordenação e comando político antes a cargo das estruturas diplomático-militares das Embaixadas dos Estados Unidos nesses países. Ainda de trem,viajei pra New York, onde, depois de me apresentar na sede da Reuters à procura de alguma novidade sobre a Argentina, tive tempo para visitar alguns diplomatas latino-americanos na ONU e mais tarde em Washington. Os únicos diplomatas que mereciam crédito e confiança eram uns poucos mexicanos e todos os cubanos. O pessoal sulamericano, segundo me informou um funcionário do Consulado Geral do Brasil em New York, além de ser quase sempre bem venal, não hesitaria em fornecer o meu nome para os seus serviços de inteligência. Como não estava disposto a arriscar o meu pescoço por informações que poderia obter com o pessoal do bloco socialista e alguns diplomatas canadenses, preferi ficar de longe. O quadro que a maioria dos diplomatas e jornalistas traçava não tinha nenhuma semelhança com o que era divulgado pela mídia, parte por dificuldade de acesso aos dados concretos, parte por falência analítica, quando a vontade de que assim fosse prevalecia sobre tudo.                                                                  
Da minha passagem por Washington, além das visitas à Biblioteca do Congresso, para ver se encontrava documentos sobre o Brasil e o Cone Sul, ficaram as observações que ouvi de um servidor do Congresso, um dos assistentes da Presidencia da Câmara de Representantes. Após me relatar sobre os trágicos efeitos morais da Guerra do Vietnam sobre a população, que passou a ver o mundo sob uma só ótica – a ótica das grandes empresas norte-americanas, transmutadas em Poderes da União, afirmou-me que os Estados Unidos estavam ingressando numa perigosa etapa de sua existência, pois, cada vez mais se concentravam na defesa dos interesses corporativos e menos no que fosse de interesse do homem comum. Para esse lúcido burocrata estadunidense, a profecia/ameaça de Eisenhower estava se cumprindo em toda linha. Aliás, conhecer esse economista estadunidense foi excelente, pois, consegui compreender melhor a lógica interna que orienta todas as decisões do Estado yankee. O interessante é que ele se considerava um liberal ao estilo Thoreau.
Graças ao esse dedicado servidor público do Congresso, que me deu um roteiro de leituras sobre a História dos Estados Unidos, acrescido de longas conversas sobre as peculiaridades imperiais da teoria do “Destino Manifesto” e o caráter puritano da formação histórica desse país, foi que compreendi a extrema dificuldade que era ser um outside intellectual ou uma pessoa de esquerda por aquelas bandas. Sob a aparência do formalismo jurídico, quase ritualístico, que orna o direito anglo-saxão, em que o costume ganha foros de inamovibilidade através da teoria dos precedentes, os cidadãos estadunidenses há muito vivem um simulacro de democracia representativa. Um quadro que se torna quase gritante quando se nota que o voto direto só tem valor e importância no âmbito local e estadual, quando serve para definir quem é quem nos Colégios Eleitorais. E isso só do ponto de vista das relações políticas institucionais, pois, quando a questão se coloca como uma censura ou uma objetiva crítica às estruturas econômicas, sociais e políticas dos Estados Unidos, há, juntamente com a ação do Estado, um processo de isolamento e rejeição que é fatal para o homem comum.                                                                           

Para esse estadunidense, Richard, assim o povo norte-americano foi educado a crer no Destino Manifesto como a mais verdadeira das verdades e com isso a vocação imperialista, não só faz parte do próprio Estado, como é um anseio popular, mesmo que os fatos e a História digam outra coisa. O povo, por exemplo, também acredita que a II Guerra Mundial foi uma exclusiva vitória dos Estados Unidos. Se alguém tentasse insistir em dizer que a participação militar dos Estados Unidos não foi decisiva para o resultado daquela guerra, além de ser hostilizado, seria considerado traidor ou comunista. Desse modo, para o povo, estava sendo bem difícil aceitar que a maior potência militar do mundo tinha sido derrotada pelos vietcongs, da mesma maneira que nunca se quis esclarecer que os Estados Unidos também foram derrotados na Coréia. Assim, segundo o Richard, o futuro presidente dos Estados Unidos teria que sepultar essa pouco clara imagem da derrota e criar um apelo propandístico capaz de restaurar a ilusão do heróico cowboy, salvador da humanidade.
Com a cabeça recém preenchida de novos elementos sobre o psquismo sócio-político do cidadão estadunidense e muito estimulado para conhecer sobre a realidade dos Estados Unidos muito além do que lia nos jornais e revistas, gastei cerca de três dias em conversas com religiosos, políticos, intelectuais e pessoas comuns. Era a minha pesquisa. Uma pesquisa que me assustou muito, pois, bastava uma pequena raspagem na carapaça de cada um para que houvesse quase que a ressureição do General Custer ou dos pios peregrinos do início da colonização.                                                                
Enfim, a lógica do sistema era corrente e aceita pela imensa maioria do povo estadunidense, algo que me fazia recordar os acontecidos nos anos 20 e 30 do século passado na Europa capitalista. Um fenômeno também comum entre o underground cultural e social, ainda retido na prisão-marketing de Timothy O’Leary que pregava a permanente rebeldia ante ao Governo e a crítica como forma de viabilizar a liberdade individual, contanto que fossem atos de uma só pessoa. O agir e o pensar coletivo não eram práticas civilizadas, mas comportamento de manadas, formas precursoras do ideário neoliberal. Era o liberalismo do american way of life exacerbado ao máximo e com suas trágicas consequências.                                                                 

Ainda tive tempo para procurar alguns brasileiros que sabia estarem “exilados” por lá. É evidente que a grande maioria se concentrava em New York, afinal de contas, na Big Apple é que a mundanidade deitava e rolava. Como não poderia deixar de ser, foi no Village que esbarrei com alguns deles. Ouvi muitas explicações e justificativas. Havia notórias diferenças entre o que ouvi no Velho Continente, o que ainda se falava na América Latina e o que era dissertado por aquelas bandas. Há alguns dias em conversa com um velho conhecido daquela época, ao lhe falar sobre a minha dificuldade em enquadrá-los num determinado tipo de posição política, pois todos me pareciam fugidíos e cambiantes, ele me aconselhou a ler um texto do Daniel Aarão Reis e Denise Rolemberg. Um texto que ele via como a melhor síntese sobre aqueles e outros exilados. O texto é realmente bem esclarecedor, principalmente porque o Daniel e a Denise conheceram a questão bem de perto, um pelo exílio, ela pela pesquisa:
A intolerância do regime instaurado pelo golpe civil-militar de 1964 promoveu o exílio de inúmeros brasileiros nas décadas de 1960 e 1970, afastando e eliminando as diferentes gerações que lutavam por diversos projetos: reformas de base, revolução social, redemocratização. Embora distintos, a ditadura trataria a todos com intolerância, retratada pelo conhecido lema: Brasil, ame-o ou deixe-o.
Embora carregado da conotação de castigo e punição, o exílio não deixou de ser um incômodo para a ditadura. A condenação à morte dos presos trocados por diplomatas estrangeiros o expressava. Numa alusão à figura jurídica inventada pelos ditadores – o banimento – ficariam conhecidos como banidos. A tentativa de estigmatizá-los com palavra maldita daria lugar ao reconhecimento da prisão política. Livres no exterior, o estigma foi apropriado por esses homens e mulheres como evidência da existência de uma ditadura no Brasil. No exílio, poderiam encarnar a liberdade, a resistência, a contestação, a negação da negação.                       
O exílio dos anos 1960 e 1970 foi uma experiência vivida por duas gerações, a de 1964 e a de 1968. Para os exilados de 1964, o golpe foi o marco; para os exilados de 1968, o golpe que depôs o presidente S. Allende, em 1973, no Chile, é a principal referência. Esteve longe de ser uma experiência homogênea. As vivências foram as mais variadas, a começar pelo tipo de exilado: os atingidos pelo banimento; quem decidiu partir, não raramente com documentação legal por rejeitar a atmosfera na qual vivia; quem, diretamente, não era alvo da polícia política, mas se exilou ao acompanhar o cônjuge ou os pais; os diretamente perseguidos, envolvidos, uns mais outros menos no confronto com o regime; quem foi morar no exterior por outras razões que não políticas e através do contato com exilados, integrou-se às campanhas de denúncia da ditadura e já não podia voltar com tanta facilidade. Diferentes situações. Neste universo tão diverso todos são exilados.
Os exilados brasileiros jamais chegaram a expressar um fenômeno de massas como por exemplo no Chile, mas é impossível quantificá-los, sobretudo partindo de um conceito ampliado. A maior parte dos atingidos era da classe média, escolarizada e intelectualizada, embora evidentemente também tenha havido trabalhadores rurais, operários e pessoas com baixo nível de instrução. As origens e referências sociais foram importantes na vivência da experiência. O país de destino também se tornou elemento fundamental para a heterogeneidade das experiências dos exilados. A quantidade de países onde se esteve também. Continuar ou não ligado à militância política, embora redefinida, igualmente é um elemento a considerar. Além disto, o exílio é dinâmico, sempre em movimento, influenciado pelas circunstâncias, pelos acontecimentos e processos históricos. Por fim, embora da maior importância, os exilados viveram a experiência segundo suas características e personalidades.
Se o exílio expressou a derrota e a exclusão, significou também a ampliação de horizontes que impulsionou descoberta de países, continentes, sistemas e regimes políticos, culturas, povos, pessoas. Nele os exilados entraram em contato com outras trajetórias históricas e com outras referências. Formaram-se profissionalmente, experimentaram trabalhos qualificados e não-qualificados. Conviveram com o legado do Maio de 1968, o feminismo, a liberação sexual, as drogas, o questionamento dos códigos morais, as lutas das chamadas minorias, a crítica à social-democracia e ao socialismo realmente existente.
Neste processo marcado pela ambivalência de vivências e sentimentos, os exilados, em sua maioria, conservaram a dificuldade de compreender as complexas relações da sociedade com a ditadura e nesse sentido continuaram isolados. Predominou a interpretação segundo a qual o povo era simplesmente vítima do regime que o oprimia e o enganava. Seus valores não se identificavam com os da ditadura militar. O povo – ou a sociedade – como que por definição, opunha-se à repressão e aos valores e referências do regime que os expulsara. Os exilados mantiveram ainda, em sua maioria, a dificuldade de perceber o projeto modernizador-conservador em curso. Ao chegarem traziam uma visão do país e da sociedade um tanto desfocada, o que agravava o impacto da chegada.
Para além das continuidades, rupturas, ambivalências, o exílio foi essencialmente a metamorfose. A princípio pensado como curto, foi longo. A volta revolucionária na clandestinidade para enfrentar a ditadura virou uma volta consentida, no contexto da aprovação de uma lei formulada pela ditadura já no crepúsculo, mas que ainda conseguiu fazer valer a sua anistia sobre a desejada pelos exilados. Organizações e partidos políticos – reformistas e revolucionários – transformaram-se ou mesmo se dissolveram. A militância ganhou outro significado. A relação com o cotidiano foi reavaliada. Os valores mudaram. De culturas políticas diversas, mas marcadas pelo autoritarismo, transitou-se para a valorização, na verdade muito desigual, da democracia. O Brasil passou a ser visto de fora. As estreitas fronteiras nacionais ampliaram-se. Os exilados que no início tão orgulhosamente ostentavam esta condição, passaram a aceitar a de refugiado. A diversidade e a intensidade das experiências levaram a transformações. Assim, o exílio tornou-se essencial na redefinição das gerações 1964 e 1968. Os conceitos tradicionais de revolução e de reforma foram repensados e outra questão veio para o centro do palco: a democracia.
Entre o passado e o futuro, os exilados reavaliaram os projetos vencidos, abandonaram alguns de seus aspectos centrais, agregaram outros, reconstruíram caminhos e concepções de mundo, redefinindo-se a si mesmos entre o que deixavam para trás e o que viam diante de si, as tradições do passado, as novidades do presente e as contradições. Um país a ser redemocratizado. (
http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/campanha/exilados-e-banidos-da-vida-publica/)


Como achava que já estava há bastante tempo na América do Norte, decidi voltar para Buenos Aires, pois, as notícias que me chegavam eram bem terríveis quanto à mortandade desencadeada pela forças militares e paramilitares contra a esquerda e quem ousasse fazer qualquer tipo de oposição e crítica ao poder que estava instalado. Precisava voltar e voltei. O mais estranho que tão logo me vi na segurança do meu apartamento, sem nenhum motivo concreto ou real, deu-me uma forte necessidade de sair de casa, fui para o centro. Lá fiquei deambulando pelas velhas e queridas ruas, sentei em conhecidos cafés, fui ao cinema na Lavalle, depois para encerrar aquele autêntico e rápido périplo por um recente passado, encerrei no Orleans, um delicioso bistrot na esquina de Córdoba com San Martín. Até hoje gosto de lá, pois, mesmo as damas da noite que por lá circulam, além de serem inteligentes, cultas, belas e educadas, primam pela discrição, auto-estima e sensibilidade, o que faz com que a gente possa ficar horas e horas sem ser incomodado por ninguém. Embora o Golpe contra a Isabelita fosse uma violência, não senti a menor piedade pelo seu triste destino e nem vislumbrei alguma grande mudança na minha vida, mas, era enorme a sensação de que mais uma etapa da vida estava se a encerrar. 

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Foi assim… – XVIII –

angolaalvor

Depois que o “Crítica” teve a sua carreira encerrada, aproveitei para realizar aquelas viagens acertadas na França, quando vi que algumas das inquietações teóricas que há muito sentia, aos poucos estavam ganhando corpo entre diversos políticos com raízes populares e de esquerda, como um reflexo do que pressentiam ser a vontade de seus povos. Tanto em Angola, quanto em Moçambique era possível a visualização desse processo, ainda que os sistemas imperialistas da Europa e dos Estados Unidos estivessem envolvidos no aniquilamento físico, político e econômico daquelas novas nações descolonizadas. Aliás, a bem da verdade, a luta libertadora desses dois Estados africanos, em que pesem as datas históricas, marcos de suas declarações de independência do jugo lusitano, ainda está  em vias de caminho, principalmente agora quando o Império, desesperado, luta por um domínio total e completo sobre todas as riquezas do mundo.
Depois que retornei das viagens, ao chegar em Buenos Aires, mais do que um choque político, tive a triste oportunidade de conviver com o terror político policial-paramilitar tão palpável que às vezes acreditava ser possível o recorte de seu clima  de angústia e medo. Dentre os jornalistas brasileiros, conversava muito com o Jaime Dantas, correspondente do “Jornal do Brasil”, um excelente amigo, profissional e muitíssimo bem relacionado com o establishment platino. Pelos menos uma vez por semana tínhamos um almoço para a troca de idéias e informes, assim, não só era possível um quase real acompanhamento do que acontecia na Argentina, como podíamos até fazer previsões com uma média de acerto da ordem de 75%. Um fato que, além de ser importante para nossas atividades profissionais, também servia como balisas para o nosso cotidiano pessoal.   Só que agora não havia mais essa conversa amiga, pois, tinha sido removido de Buenos Aires.                       
Desde 1974 que a Argentina, entre surpresa e temerosa, via a gradual agonia do governo peronista, sob a liderança do General Perón,  construido sobre um conjunto de forças permanentemente em choque, que ele conseguia manter controlado. No entanto, assim que ele morreu, elas ficaram fora de controle. Um descontrole que, junto com a ambição de Lopez Rega, mentor da Triple A e da Isabelita, vai dar a útima motivação para mais um Golpe de Estado na Argentina. A 24 de março de 1976 ocorreu o que muitos esperavam com medo, mas sumamente desejado pelo império: Isabel Perón foi detida e transladada a Neuquén, onde viveu por longos seis anos até ser trasladada para Madrid. A Junta de Comandantes Militares assumiu o poder, integrada pelo General Jorge Rafael Videla, o Almirante Eduardo Emilio Massera e o Brigadeiro Orlando R. Agosti. Jorge Rafael Videla designado como presidente de fato, dispôs que a Armada, o Exército e a Força Aérea comporiam o futuro governo com igual participação, o “Proceso de Reorganización Nacional”.
Logo em seguida, como não poderia deixar de ser, nomearam José Martínez de Hoz como Ministro da Economia, já em atendimento aos reclamos neoliberais estrangeiros e platinos. No dia 2 de abril, Martínez de Hoz anunciou seu plano para conter a inflação, deter a especulação e estimular os investimentos estrangeiros. Tudo dentro do mais rigoroso roteiro neoliberal e sob orientação do Fundo Monetário Internacional, o Cérbero do neoliberalismo. Durante este período, a dívida empresária e as dívidas externas pública e privada duplicaram. A dívida privada cedo foi estatizada, reduzindo ainda mais a capacidade de ação estatal, além de ampliar o empobrecimento do Estado e a gradual destruição de inúmeros serviços e atividades públicas.                                             
Com esse clima econômico, a Junta Militar impôs o terrorismo de Estado que, além de enfrentar as  guerrilhas, também desenvolveu um projeto dirigido para destruir toda as formas de participação popular. O regime militar pôs em marcha uma repressão implacável sobre todas as forças democráticas: políticas, sociais e sindicais, com o objetivo de submeter à população mediante o terror de Estado e assim impor a “ordem”, sem nenhuma voz dissidente. Inaugurou-se, dessa forma,  o processo autoritario mais sangrento que regista a história da Argentina. Estudantes, sindicalistas, intelectuais, profissionais e outros foram sequestrados, assassinados e “desapareceram”. Enquanto, muita gente se exilou como único modo de garantir sobrevivência a si e suas famílias, outros amargaram a violência da Ditadura fascista que tinha se instalado no país..
Lembro que desde uma semana que havia o zumzumzum sobre um golpe militar em andamento. Alguns achavam ser um exagero, pois, desde a posse de Isabelita que o poder estava concentrado num eixo compreendido entre os militares, a polícia e os grupos terroristas chefiados por López Rega e agentes da CIA,  portanto, seria quase que uma redundância política, a feitura de um Golpe de Estado. A questão não era simplesmente política, mas, da rigorosa aplicação de uma nova modalidade de exploração econômica para o continente. O fato é que já no día 23 eram bem claros os sinais do Golpe, tanto que a Casa Rosada foi fechada para qualquer visita e ampliada a segurança no seu entorno.  À noite,  durante o jantar no “Continental”, dava para se ver que era  muito grande o movimento de gendarmes, uma atividade bem anormal, ainda que na Lavalle, entre a Florida e a 25 de mayo, houvesse um posto policial bem agitado. Fui para casa e lá pelas sete horas da manhã, recebo o telefonema de um amigo portenho, El Flaco, que me conta sobre a derrubada da Isabelita e sua prisão. Contou-me que a repressão era total e que a Universidade de Buenos Aires estava sob ocupação e sem aulas. Como medida de precaução, fiz uma reserva de viagem para Montreal para o primeiro voo possível. Era uma quarta-feira e consegui vôo para a sexta-feira. Arrumei a mala, com documentos e roupas leves. Fui ao aeroporto e aluguei um box de bagagem para guardar a mala e uma pasta.
Já no Centro, preferi ir ao “JB”, que ficava na Florida, bem perto da avenida de Mayo, pois, graças ao Jaime tinha feito boas amizades por lá. Cheguei bem cedo para esperar os amigos que tinham quase que as mesmas notícias que eu. Conferimos as nossas informações e concluímos que a primeira etapa repressiva seria interna e de forma bem rápida. Marcamos um jantar no Marriot para ultimarmos os dados. Gastei o resto do dia em conversas com informantes e providenciando dólares para uma pronta viagem. Uma sábia decisão, pois, o novo Ministro da Economia, José Alfredo Martínez de Hoz, logo decretaria uma espécie de “feriado” financeiro e cambial para as pessoas comuns, uma forma de controlar quem desejasse sair do país. A decisão de viajar para o Canadá, embora tivesse sido acelerada pelo Golpe, não foi tão súbita assim. Há muito que desejava ir ao Canadá para providenciar os últimos trâmites referentes ao meu divórcio com a Marie.                                             
No jantar do Marriot que, a despeito do luxo e da segurança que dava, tinha uma sofrível cozinha, foi ótimo em termos de informações, não pela quantidade, mas, acima de tudo, pela qualidade e coincidência dos dados, principalmente porque nossas fontes que tinham distintas e quase antagônicas origens estavam com informes que se preenchiam e explicavam. O fato é que todos coincidiam quanto ao monitoramento das ações golpistas por parte da Embaixada dos Estados Unidos e do apoio pouco discreto que a CIA, o FBi e mais dois outros serviços de inteligência do Pentágono davam à políca política do Processo de Reorganização Nacional. Tudo indicava que haveria uma violenta razzia nas províncias onde fossem fortes os movimentos sindical e estudantil, o que nos remetia aos acontecidos durante o curto mandato de Juan Carlos Ongania, tanto no meio universitário, quanto no trato com os trabalhadores. Em Buenos Aires, a província e a cidade,  o objetivo era cortar com a máxima rapidez qualquer possível articulação antigolpe, de preferência com soluções definitivas quanto aos mais perigosos líderes peronistas e de esquerda.
Expliquei ao colega que iria viajar para o Canadá, mas que em menos de quinze dias estaria de volta e caso houvesse algo muito importante a me comunicar que ele poderia  procurar um amigo meu e da Marie na Embaixada canadense  e dar o recado. Disse que o Charles era da mais estrita confiança  e que até poderia ser de alguma utilidade para ele. Como  ele ficou na dúvida sobre quem seria o Charles, disse-lhe que um pouco mais tarde ele viria nos fazer companhia nos licores. E assim foi feito. Com tudo acertado ficamos mais tranquilos,  até porque,  segundo o Charles nos contou, a mídia nacional e internacional  embora há muito sob vigilância, só seria objeto dos cuidados do novo poder após os resultados da razzia. Desse modo, um pouco mais seguro e calmo, cuidei de acertar os últimos detalhes a respeito do meu apartamento, de normas de segurança e de um sistema de pronta comunicação.
Na sexta-feira, embarquei sem nenhuma dificuldade ou embaraço, pelo visto e felizmente, ainda não era alvo das atenções repressivas. O meu vôo iria ser longo, pois, por medida de precaução, faria o itinerário do Pacífico. Lima, San José de Costa Rica, Ciudad de México, Frisco, Seattle, Vancouver, Montreal, mais do que paradas, distâncias físicas de uma crise política e aproximação com uma questão que estava a adiar por vários meses, cerca de quase un ano. Sabia que não era indecisão sobre o que fazer em termos objetivos, estava mais perto de ser uma espécie de recusa a um pedaço da minha vida. Hoje, quando penso a respeito dessa sensação, vejo que todo aquele tempo e aquelas experiências vividas até tinham me fornecido elementos para uma melhor análise política, porém, em compensação, graças à volatilidade dos fatos e da necessidade de imediatas respostas ante tudo aquilo, pouca atenção havia dado a um maior amadurecimento afetivo. Num certo sentido, estava tão ou mais frágil  do que naquele dia em que me despedi da Marie lá em Ezeiza.                                                                       
Hospedei-mei bem no centro de Montreal, no “The Loft HoteL” e só depois de dormido e descansado é que tive a coragem de telefonar para Marie e avisá-la que estava em sua terra. Ela, se ficou surpresa, conseguiu disfarçar muito bem, pois, tratou-me como se nunca estivéssemos estado separados. Marcamos um almoço para logo mais, lá mesmo no hotel. Só tive tempo de comprar umas camisas e nervoso fui para o lobby do hotel esperá-la. Ela estava tão ou mais bela do que antes, a diferença é que agora o seu vestuário era mais comportado, embora muito chic e bonito. Vestes para uma jovem professora universitária.
Tivemos uma conversa, quase inglesa, tal o cuidado em evitar momentos e situações embaraçosas. Contou-me do seu curso, da Universidade, de sua família e dos avanços do Mouvement Québec Livre. Falei-lhe das minhas viagens, do que via como possível para América Latina e, em particular, para o Brasil. Enfim, falamos de quase tudo, só não abordamos o real motivo da minha estada. Da minha parte, sei que aguardava me sentir mais à vontade e mais seguro.  Mas, mesmo assim, fui obrigado a pedir que ela marcasse uma hora com o advogado dela para que pudéssemos acertar tudo. Ela disse que faria isso ainda nessa tarde e que me avisaria da hora exata.  O que ela fez sem muitas demoras.
No outro dia, após passarmos pelo advogado, quando assinei tudo que devia assinar, ela me avisou que a famíla dela queria que eu fosse jantar com eles no dia seguinte. Concordei e gastei parte do dia em compras de presentes para os pais e irmãos dela. Por sorte tenho boa memória e ainda recordava do que ela tinha me contado sobre eles, assim, foi quase fácil encontrar o que lhes agradaria.  Eles moravam num lugar chamado Saint Hubert, bem próximo de um pequeno parque, o que tornava o lugar muito agradável e aprazível. Foi um excelente e alegre jantar, nem parecia que eu estava me despedindo deles para sempre. No fim da noite, quando ia chamar um táxi, Marie disse que gostaria que eu a companhasse até sua casa, que era bem perto dali. Fomos caminhando tal qual um casal de namorados.                                                                                       
A casa da Marie era moderna e rústica ao mesmo tempo. Moderna pelas comodidades que a tecnologia doméstica oferecia e rústica pelo fato de ter as paredes divididas, metade pedra, metade toros de madeira, e pela decoração interior. Fazia bastente frio e a lareira dava calor para toda a casa, o que tornava o ambiente muito acolhedor e estimulante à confidências e romantismos. Enquanto ela buscava os copos para bebermos vinho, ao bisbilhotar  a sua biblioteca, além de diversos livros em espanhol e português sobre a América Latina, inclusive os livros do Darcy e brochuras das teses do Ruy Mauro Marini, o que me surpreendeu muito, vi algumas das fotos que tínhamos feito nos Andes e quando do nosso casamento.
Assim que nos acomodamos perto da lareira, uma verdadeira lareira de lenha, não aquela simulação do meu apartamento em Buenos Aires, com nossos copos de vinho e queijos ao lado, vimos e ouvimos o som da neve batendo nas vidraças. E institivamente, como se quiséssemos fugir do frio, nos abraçamos e ficamos quietos deitados no tapete de pele de gamo que esquentava o solo próximo da lareira. Não dissemos nada por um longo tempo. Na minha cabeça revivi tudo. A sensação e a emoção que estava a sentir foram tão fortes que perdi completamente a noção de tempo e espaço. Só a minha memória existia.  Um sortilégio que foi quebrado pelo barulho de uma porta batendo com muita força. Era a porta da cozinha que forçada pelo vento tinha sido aberta e batia sem poder se fechar.
Hoje, tenho a absoluta  certeza de que  se não fosse aquela porta, seria quase impossível resistir ao apelo à uma felicidade que já conhecia e que fora genial. Com o fim daquele fugaz encanto, voltei a ter o domínio das minhas emoções, embora continuasse com vontade de novamente estreitá-la em meus braços. Só que agora, já refeito, continuei sentado no chão, apenas um pouco mais separado dela. Falamos muito e de tudo, lembranças, queixumes, alegrias, política e sonhos foram a base de nossa noite. Uma noite que queria que não acabasse. Assim que ela foi buscar os ingredientes para fazer fondues, liguei para hotel e pedi que eles fizessem uma reserva no Amtrak para Boston  para o próximo sábado, pois, ainda tinha que providenciar o meu visto de entrada nos EUA. Ao desligar o telefone, vi que seria um grande erro tentar recriar aquilo que o tempo tinha desbotado e tornado fraco.
O tempo correu e assim que notei que a neve tinha deixado de cair já eram umas oito horas da manhã. Puxei-a para mim e abraçado a ela, disse-lhe que teria que ir embora. Mas, antes  de me despedir de vez, afirmei-lhe que eu ainda a amava e por causa disso é que estava me afastando dela definitivamente, pois, do jeito que as coisas corriam do meu lado,  se tentássemos ficar juntos ali, no Canadá,  mais cedo ou mais tarde acabaríamos com raiva um do outro e eu não queria isso, pois, ela sempre seria um belo momento da minha vida. Chorando beijei-a  e pedi que chamasse um táxi enquanto eu lavava o rosto. Bebemos café de mãos dadas. O táxi buzinou e eu pedi para que ela ficasse na porta. Beijei-a  e sumi da sua vida até hoje.
Sei que devo ter feito tudo certo para entrar nos Estados Unidos e outras coisinhas mais, pois, como nunca fui incomodado pela Justiça canadense, isso quer dizer que deixei tudo acertado e concluído. Recordo apenas da minha chegada a Boston. Foi uma pena, pois sempre gostei de viajar de trem e queria aproveitar aquela viagem para ver melhor aquele trecho da América do Norte.

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Foi assim… – XVII –

Nuestro Norte es el Sur
A minha volta foi calma e tranquila. Nem deu para espairecer por Paris. O tempo que por lá fiquei, cerca de quatro dias e meio, foram gastos em conversas com amigos e alguns velhos companheiros do PCF. Creio que afirmar que nada de interessante me aconteceu naquela curta estada gaulesa, é um pouco de exagero, pois, consegui estabelecer contato com alguns membros do Movimento das Forças Armadas de Portugal-MFA e acertar uma visita até o final do ano. Um encontro que também me permitiu acertar a viagem para Angola e Moçambique. O importante foi ver que para a maioria dos brasileiros, agora exilados na Europa, junto com o sonho de uma restauração democrática, havia certo desencanto com o que até bem pouco defendiam. Um comportamento que os fazia descambar para o mais deslavado nihilismo, parfois pour le gauchisme plus enragés. Muitos preferiram uma espécie de “flexibilização” política e prática, ao adotarem padrões de comportamento que, embora não entrassem em choque com o sistema, eram suficientementes amplas para não sentirem remorsos e également veiller à ce status d’avant-garde politique et social – les verts. O uso do francês é uma necessidade histórica, pois, foi desse modo que ouvi de alguns brasileiros.
Num certo sentido até que era passível de entendimento tudo aquilo. Afinal de contas, pelo certo e pelo errado, estavam a aprender sobre as delícias do Walfare State ou l’état de protection sociale. Era uma realidade subjetiva e objetiva diametralmente oposta ao que conheciam em termos práticos, assim, ao contrário de Ulisses, não taparam os ouvidos àqueles maviosos cantos de consumo e lazer, que o capitalismo entoava como a mais pura das verdades e a verdadeira morada da felicidade. O resultado foi a lenta e gradual cooptação ideológica de diversos desses companheiros e amigos. Uma cooptação facilitada pelo fato de que nunca nenhum de nós tinha conseguido viver realidades ideológicas distintas do capitalismo, tivéssemos conciência ou não disso. Desse modo, solerte e insidosamente ampliava-se a força ideológica matricial.
Uma situação que era reforçada pelo meio universitário europeu e francês, em particular. A realidade acadêmica que passaram a viver, há muito que sofria os efeitos do forte embate entre o mundo capitalista e o mundo socialista sob aliderança da URSS. Uma luta que embora pudesse às vezes parecer estimulante, a bem verdade, servia apenas para a fixação de idéias e proposições defensoras do sistema capitalista, mesmo quando aparentava ser uma crítica, como foi o caso da teoria da desideologização, que campeou entre os anos 50 e 60 do secúlo passado. 
É claro que essa teoria, em termos de prática política imediata não teve muita duração, no entanto, ao aparentar características científicas e filosóficas renovadoras do que vigorava até então, ficou encrustada, da mesma forma que o idealismo ainda é um processo de pensar e compreender o mundo. O resultado foi a pulverização das ciências sociais em um caldeidoscópio de doutrinas e teses tão específicas que davam a sensação de serem simples demonstrações de erudição e “originalidade”. Era o que era visível, quando o concreto estava subjacente a tudo aquilo e aos poucos iria se transformando em uma forte base de apoio para o sistema. Esta preocupação em tentar compreender o que estava a acontecer e até mesmo poder realizar uma mirada para o futuro foi motivo de uma longa conversa entre mim, Henri Lefebvre e Roger Garaudy.                                                                      RogerGaraudy henrilefebvre

Estes dois pensadores franceses, que tinha conhecido em anos anteriores, também estavam vendo que o idealismo voltava ser a matriz filosófica de quase todo o pensamento europeu e que o seu avançar se produzia a partir da absolutização dos pensares de Heidegger sobre a personalidade humana em termos apriorísticos (medo, inquietude, preocupação), o que reforçava os cantos de sereia do sistema e criava um novo estilo de existencialismo. Em 1992, durante a Rio 92 ou ECO-92 voltei a estar com Roger Garaudy, quando por coincidência estivemos falando no mesmo painel sobre os efeitos do Meio Ambiente e o Trabalho, sendo que a mim coube defender a visão socialista. Foi  um momento inesquecível, pois, com a exceção de nós dois, todos os demais integrantes do painel acreditavam  no Fim da História e na eternidade do poder capitalista, inclusive o professor Joel Rufino, um dos autores da “História Nova”.
O maior problema, talvez até maior do que a agressividade imperialista, concentrava-se no mecanicismo das análises sobre aquela expansão quase neocolonial do imperialismo estadunidense. Poquíssimos foram aqueles que identificaram a gradual e segura montagem da rede político-militar por parte dos Estados Unidos como um “cordon sanitaire” de proteção e base para uma expansão hegemônica. Era incrível discutir com alguns ex-companheiros, que estavam crentes de que era impossível a manutenção de um sistema político-econômico diferente do capitalismo, como as tentativas da Europa Oriental e parte da Ásia. Para eles, enfeitiçados pela formidável produção de bens de consumo, duráveis ou não, só uma sociedade capaz de assegurar os benefícios daqueles consumos, que eles identificavam como sinônimos de bem-estar  e felicidade, poderia gerar um legítimo e forte Welfare State. Enfim, num certo sentido, estavam acomodados com a idéia de que o capitalismo só poderia ser derrotado  a partir da sequência de pequenas e tópicas reformas politico-sociais como movimentos táticos.
O fato é que, para eles, a questão da redemocratização do Brasil, por exemplo, era algo circunscrito aos limites de uma democracia liberal, numa espécie de reedição do que estabalecia a Carta de 1946. Pensar na inclusão da maioria das teses nacionalistas e democráticas defendidas pelas forças populares e progressistas de antes de 1964, era, quando muito, uma tarefa para sedimentar a construção de novos partidos e dar base de sustentação política para essa nova caminhada. Quando a questão saía do campo da realidade, aí, sim, ressurgiam as propostas mais avançadas e radicais possíveis, ainda que sem nenhum lastro concreto e a conseguiam a proeza de inúmeras divisões internas para sustentar os seus discursos. O saldo, como não podia deixar de ser, era sempre negativo.                     
De volta à Argentina, cuidei de viajar para Montevidéu, precisava saber até onde aquelas teses “européias” tinham contaminado aquele nicho de exilados brasileiros. Quando a coalizão civil-militar deu o golpe de Estado, em 1964, as diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) foram quase que imediatamente aplicadas pela ditadura brasileira. Uma doutrina formulada pelos Estados Unidos, gerada nas salas do War College, que afirmava ser necessário deter o “avanço do comunismo”, principalmente após a vitória da Revolução Cubana, em 1959. A base ideológica utilizada para fundamentar um dos conceitos-chave da Doutrina de Segurança Nacional – o “inimigo interno” – foi estabelecida sobre a flexibilização do conceito de comunismo. A segurança nacional ao adotar a mesma lógica imperialista da extraterritorialidade de seus desejos, normas e leis, desfazia a distinção entre política externa e política interna. Esta afirmação, para os bajuladores uma criação do general Golbery do Couto e Silva, referente aos aspectos repressivos, era de vital compreensão para outro elemento presente na doutrina: as “fronteiras ideológicas”. O “inimigo interno” podia estar localizado em outro país (exilado, escondido), assim como o “inimigo interno” de outra nação também precisava ser combatido não somente pelo país que o abrigava, como pelos outros. Este era o fundamento da Operação Condor, em 1975, quando as Forças Armadas do Cone Sul se uniram e montaram um aparato repressivo de controle, espionagem e cooperação regional, sob a supervisão e coordenação técnica da CIA, do FBI e demais agências de inteligência vinculadas ao Pentágno. Entretanto, desde o momento em que a primeira ditadura foi instalada no Cone Sul, em 1955 – a da Argentina –, o conceito de “fronteiras ideológicas” já dava início de seu uso. A cooperação repressiva internacional começara muito antes da Operação Condor.
Na concepção de “fronteiras ideológicas”, diante da ameaça e da expansão do comunismo para o “civilização ocidental e cristã”, as fronteiras territoriais e geográficas não estavam mais em questão. Elas poderiam ser ultrapassadas, visto que não havia mais soberania nacional a ser respeitada quando os valores dessa civilização estavam sob ameaça. Assim, o que importava era a ideologia vigente no governo em questão ou se havia algum grupo/movimento que pudesse desestabilizar o governo. Desse modo, na lógica da Doutrina de Segurança Nacional, invasões e interferências em países considerados de perfil “comunista” ou ameaçados por ele seriam consideradas naturais, a fim de manter sua segurança interna. Um quadro que foi concretizado diversas vezes, ora de forma encoberta, ora como aplicação de convênios de apoio e auxílio policial-militar tão comuns naqueles tempos em que as Missões Militares do Estados Unidos eram tão ou mais poderosas que os próprios governos das nações hospedeiras. Entretanto, a despeito do extremo rigor policial-militar de controle das fronteiras comuns entre o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, era fácil entre e sair clandestinamente do Brasil. 
O Uruguai, além da extrema proximidade com o Brasil e a Argentina, era onde estavam Jango, Brizola, Paulo Schilling, Darcy Ribeiro, Almirante Cândido Aragão, Décio Freitas, Dagoberto Rodrigues, etc., logo seria um dos mais importantes pontos de atuação dos orgão repressivos e de inteligência daquela “santa aliança”criada em 1964 com o Golpe no Brasil. O Uruguai era um dos países abarcados pelo projeto geopolítico brasileiro-estadounidense de expansão de influência. Em função disso, a fronteira do Rio Grande do Sul, área de concentração militar, durante a ditadura foi considerada zona de segurança nacional. É de se notar que logo após o golpe de 1964, chegou a haver um acordo, em 1965, entre os governos brasileiro e argentino para intervenção militar conjunta, caso a atividade sindical uruguaia se intensificasse. Há indícios de que o Embaixador brasileiro Manoel Pio Corrêa, tenha sido o responsável pela articulação entre os serviços de inteligência desses dois países.
Nos primeiros meses do novo governo, o diplomata Manoel Pio Corrêa foi designado pelo general Castelo Branco para assumir o cargo de Embaixador brasileiro no Uruguai, a fim de “melhorar as relações entre os dois países”. Entretanto, suas atividades políticas no Uruguai eram bem diferentes. Juntamente com o coronel Câmara Senna, adido militar, Pio Corrêa dedicou-se à neutralizar a articulação entre os exilados, tendo como prioridades o ex-presidente, João Goulart e o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Para tanto, foi arquitetada uma rede de contatos, que ia de políticos, militares, juízes, delegados de polícia e até fazendeiros e comerciantes. O ex-agente da CIA, Philip Agee, em livro de memórias, “Dentro da Companhia”, afirma que o adido militar Câmara Senna, o embaixador Manoel Pio Corrêa e o seu primeiro-secretário, Lyle Fontoura, seriam agentes da CIA, designados pela base do Rio de Janeiro para o Uruguai.
Manoel Pio Corrêa, na autobiografia, “O mundo em que vivi”, relata que sua principal missão no Uruguai era impedir que os exilados exercessem atividades políticas, utilizando-se de uma “diplomacia de resultados”, através de cobranças e pressões sob o governo uruguaio. Na época, contava-se que o embaixador teria condicionado a compra do trigo uruguaio à limitação da mobilidade de Leonel Brizola, o que acabou ocorrendo, em 1965, com o seu confinamento no balneário de Atlântida: “pedido que foi acolhido sem qualquer reticência e prontamente atendido”, conforme Pio Corrêa.
Manoel Pio Corrêa estabeleceu diversos contatos com as forças militares e policiais do Rio Grande do Sul. Foi recebido pelo governador Ildo Meneghetti que lhe informou que a Polícia Civil e a Brigada Militar do Estado agiriam em coordenação com a Embaixada brasileira em Montevidéu, referente à vigilância da fronteira e a possíveis atividades subversivas. Pio Corrêa também recebeu apoio do III Exército, sendo que a Primeira, Segunda e Terceira Divisões de Cavalaria, responsáveis pelo controle das fronteiras, mantiveram estreita ligação com o embaixador, mantendo-o informado do que  ocorria em terras gaúchas. No Uruguai, apoiado pelo general Santiago Pomoli, seu amigo pessoal, que articulou no Exército uruguaio uma corrente favorável aos objetivos, a estrita vigilância das atividades dos exilados brasileiros. Além disso, Pio Corrêa também estabeleceu laços com o chefe da polícia de Montevidéu.                                   
Inspirado na experiência do monitoramento do exílio brasileiro no Uruguai, o embaixador Pio Corrêa redigiu a portaria ultra-secreta que criava o Centro de Informações do Exterior (CIEx), vinculado ao SNI e subordinado à Secretaria Geral de Relações Exteriores, em 1966, sendo que esse sistema de informações perdurou até 1985. Funcionando com o nome de “Assessoria de Documentação de Política Exterior” (Adoc), as atividades de espionagem funcionavam sob o nome de “Plano de Busca Externa”, com apoio dos agentes do SNI e dos adidos militares, geralmente sob supervisão e comando operacional da CIA. Era, pois, nesse clima de “gélida guerra”que os exilados brasileiros tentavam sobreviver como gente e seres políticos, ainda que limitados pela severa vigilância que lhes era feita. O fato é que, acabado os arroubos de reagir ao golpe através de movimentos sediciosos ou da construção de guerrilhas por meio de ex-militares, ainda existia muito ânimo para a luta e para o estudo da realidade brasileira.
Foi, pois, no meio desse tipo de comportamento que me encontrei com esses companheiros. É verdade que havia muita confusão entre o real e o sonho, mas, em compensação, mesmo naqueles que ainda tinham uma certa visão castrense, era possível sentir que viam no povo brasileiro, nas grandes massas, não só a solução política, mas o próprio centro de criação de uma nova economia política. Darcy, um dos mais empolgados com esse novo pensar teórico, como já se notava em 1968, por meio de cartas e telefonemas procurava reforçar essas idéias. Idéias que irão servir como background para o cuidadoso trabalho de 1968, intitulado de  “O processo civilizatório” e que seria quase finalizado com o “O Povo Brasileiro”, em 1995. Enfim, aquilo que teve início nas décadas de 1950/60, que era pensar o Brasil e o seu povo, estava aos poucos se transformando numa formulação política nacionalista, democrática e socialista.                                                                      
O quadro político brasileiro tinha sofrido certa alteração com a vitória do MDB nas eleições majoritárias para o Senado em 1974, o general Geisel, pressionado por uma realidade econômica completamente distinta do ufanismo propagandístico da etapa Garrastazu Médici, dava início ao que intitularia de “abertura gradual e segura”- um eufemismo para articular a continuidade hegemônica do capital estrangeiro e de seus associados brasileiros, enquanto se processavam cosméticas mudanças no formalismo jurídico das “instituições” democráticas do país.  Desse modo, a tese de uma Anistia Geral,Ampla e Irrestrita ganhava mais adeptos aqui no Brasil e começava a dar seus frutos no exílio, pois, poderia significar o fim daquele longo período de saudade.
Lá no Uruguai, por ser bem próximo do Brasil, a tese da Anistia ganhava alento e força, principalmente porque fazia tempo que a democracia tinha abandonado a Banda Oriental. Lembro-me que uma tarde, lá em Atlântida, em conversa com Leonel Brizola, ouvi que, embora visse com bons olhos a idéia da Anistia por questões bem pessoais e familiares, sabia que ela sozinha pouco representaria. Para que ela tivesse profundidade e significasse uma verdadeira “retomada com o fio da História, rompido em 1964”, era necessário que fosse o resultado de uma Assembléia Nacional Constituinte aberta e ampla. Segundo Brizola, só assim seria possível assegurar a completa pacificação do país e a abertura de novos caminhos democráticos para a totalidade do povo brasileiro. Hoje, bastante anos depois, ao relembrar a conversa, tenho que reconhecer que Brizola estava certo e ao modo dele, estava a defender a mais generosa e justa proposta para o Brasil. Uma proposta que os fatos nacionais e internacionais deixariam para trás.
Tudo aquilo demonstrava apenas a fraqueza organizativa dos exilados brasileiros, em que se misturavam liderança operárias de grande combatividade, como Benedito Cerqueira, por exemplo, a pequenos aventureiros em busca de umpeculiar turismo internacional. Desde antes, quando Allende ainda era presidente chileno, após conversas com Miguel Arraes, ficou acertada uma aliança entre Brizola e o líder pernambucano que, segundo a opinião do socialista Salvador Allende, era o único modo de se dar início à constituição de uma Frente Ampla Popular e Democrática, uma Unidade Popular brasileira, como instrumento para a redemocratização do país. Allende ofereceu ao governador Miguel Arraes, não só a hospitalidade do governo do Chile, como o apoio logístico e político do Partido Socialista do Chile. Um projeto que foi abortado quinze meses depois com o seu assassinato na Casa de La Moneda.
Como os modos clássicos e liberais de agir e pensar política ainda eram as regras seguidas por quase todos os latino-americanos, fugir da personalização política e da extrema importância do indivíduo como sujeito da ação política era uma tarefa quase impossível, assim, ainda que as palavras pregassem uma coisa, a prática seguia por outro caminho. Depois que houve a consolidação da “Operação Condor”, que era monitorada de Washington por Vernon Walters, diretor-adjunto da CIA e velho conhecedor do Brasil, que tinha feito a sua estréia com o atentado e morte do general chileno Carlos Prats, ex-comandante das Forças Armadas do Chile, os limites de atuação dos exilados brasileiros no Uruguai eram cada vez mais reduzidos e perigosos.                                                                  
A Argentina, por sua feita, estava envolta entre uma desesperada ação defensiva de alguns agrupamentos de esquerda e peronistas e um deliberado e bem executado projeto de extermínio físico de quem se opusesse ao avanço da direita. Em março, um dia antes de viajar para a Ásia, escrevi o seguinte:
“Os últimos acontecimentos argentinos, como o poder político-militar centralizado nas mãos de López Rega e das forças armadas, mais o reconhecimento oficial de que existem guerrilhas e zonas liberadas nas províncias de Tcuman, Catamarca, Salta, Santiago del Estero, Jujuy e San Juan, parecem indicar que a situação política do belo país platino marcha para a guerra civil. Os constante distúrbios emocionais de Isabelita, a ponto de ter chorado diversas vezes em público, as disputas cada vez mais acirradas pelo poder entre Rocamora, López Rega e Lorenzo Miguel, não só impossibilitam qualquer alternativa política “moderada” por parte de alguns setores peronistas, como aceleram a decomposição do poder peronista de Isabelita e López Rega, ao mesmo tempo em que transferem para os militares as tarefas do poder.
No meio das lutas palacianas entre “moderados”e duros, o movimento justicialista se vê paralisado e sem forças para ser aquilo que Evita Perón desejava, “ser um instrumento de conciliação entre o capital e o trabalho”. Para  os militares, que se sentiam órfãos desde o “Gran Acuerdo Nacional” de Alejandro Lanusse, essas disputas são benéficas, pois provocam a paralisação política do país e servem como instrumento para um maior esvaziamento do poder civil.”
Enfim, como a Isabelita tinha transferido às Forças Armadas e à Gendarmeria Nacional a total competência para cuidar das questões ligadas aos problemas de segurança interna, como o combate à subversão urbana, às guerrilhas e mais o que interpretassem como ligado às suas atribuições repressivas, o grau de insegurança era completo. Uma insegurança quase que institucional e agravada com a loucura dos grupos paramilitares de direita, como a Triple A (Aliança Anticomunista Argentina) que oficiosamente fazia parte desse aparato repressor que voltava a ser forte e amplo.  Viver no Cone Sul, fosse como um cidadão comum, jornalista, político ou exilado era um experiência que poderia ser muito traumática e até mesmo fatal. No entanto, mesmo assim, era o que eu devia fazer.  

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Foi assim…. –XVI-

saigon

Bela descoberta
Quando falei de que a minha permanência em Saigon valera por toda uma vida, não estava me referindo à guerra, mas ao que aprendi sobre a arte de fazer amor. Há algum tempo que eu considerava com muita experiência de vida e know-how de sexo. Levando-se em conta a minha precocidade nesse campo, achava que nada mais tinha a aprender. Total engano. Era um total e perfeito analfabeto e nem desconfiava disso.
Foi uma daquela experiências que marcam a vida para sempre, seja pela lição de humildade, seja por ela em si mesma. Desde as minhas férias em Santarém, quando devorava a biblioteca do meu tio e fazia as primeiras e canhestras experiências sexuais adolescentes, que considerava o ato sexual algo mais do que uma simples ação mecânica entre dois corpos.
Naquele mês, aprendi e descobri que é muitíssimo mais do que as posições do Kamasutra ou do que imaginava, é a efetiva integração alma/alma/corpo/corpo dos dois parceiros, quando a gente ao se anular, realiza a integração e sente um prazer inigualável.
Vamos aos fatos. Depois de uma semana em Saigon, com uma vida circunscrita ao bureau de imprensa das tropas americanas, às conversas com outros colegas e bebedeiras nos bares dos hotéis mais seguros, a tensão da guerra, a chata convivência com os militares e agentes americanos, estava me deixando cansado e com vontade de voltar. Uma noite, conversando com um colega da France Press, Armand, contei-lhe como estava me sentindo. Ele riu e disse que a solução era bem fácil.
 
Falou e fez, levando-me a uma casa bem próxima do hotel, estranhamente intacta no meio de casas destruídas, entramos num luxuoso e exótico salão, aproximou-se de uma jovem senhora, falou-lhe alguma coisa e ela sumiu. Logo em seguida voltou com uma moça, que nos foi apresentada. Uma jovem vietnamita de idade possível entre os 18 e 30 anos. Lindíssima sob qualquer padrão. Armand contou-lhe do meu tédio e pediu que ela me ajudasse a superar aquela fase. Antes de ir embora, disse que estava me levando lá porque sabia das minhas posições políticas e que eu poderia ficar tranqüilo, pois, havia o boato de que aquela casa fazia parte da estrutura dos serviços de inteligência dos vietcongs. Um boato que devia ter algo de verdadeiro tal a inexistência de americanos civis ou militares na casa. Uma casa cheia de belas mulheres e com uma mordomia que só conhecia dos hotéis cinco estrelas.

bordelsaigon
A jovem, Christine, pelo menos foi o nome que me deu, levou-me para um elegante aposento, composto de duas poltronas, uma mesa-escrivaninha, duas cadeiras comuns, um pequeno bar e uma cama que parecia ser quase do tamanho do aposento. Serviu-me de vinho e conversamos. Ela então me explicou que não iríamos ter nenhum tipo de relação sexual naquele momento. Pediu-me que tirasse a roupa enquanto ela arrumava a cama. Tão logo fiquei nu, bastante encabulado, ela veio em minha direção e pegando-me pelas mãos levou-me à cama, quando então saiu de dentro do vestido, não usava nada e vê-la nua foi um choque de beleza, tal a perfeição de seu corpo.
Agora ao me recordar dela, por mágica da sensação, volto a sentir o mesmo que senti ao vê-la nua. Palavra, era própria perfeição carnal de uma mulher, tudo tão belo, lascivo e ao mesmo tempo tão recatado que fiquei literalmente sem fala, só mirando àquela dádiva da vida. Cabelos e olhos negros, boca delicadamente carnuda, seios médios, túrgidos e perfumados, serviam de moldura para um soberbo conjunto de monte-de-vênus e sua gruta. Deu-me a impressão de que era a materialização daquilo que eu pudesse imaginar como perfeição e beleza no corpo de uma mulher. Beijou-me bem de leve e puxando-me deitou-se ao meu lado. Passava as mãos pelo meu corpo e às vezes a língua, de um modo tão suave, que parecia a carícia de uma brisa mais forte. Conversamos um bocado. Ela se espantou quando eu disse que não era francês, mas jornalista sul-americano, brasileiro. Aí, foi a vez dela me surpreender com o grau de informações que tinha sobre a América Latina. Conversamos um bocado e como não havia tempo estipulado, ficamos conversando e tocando o corpo um do outro. Houve um momento em que ri muito, foi quando ela disse que o meu pênis era bonito pela proporcionalidade e tamanho. Assim que bebemos mais um pouco do vinho, ela me pediu para que eu explorasse o corpo dela com as mãos e dedos, que fizesse tudo que tinha vontade, pois, entre os parceiros sexuais tudo é permissível desde que haja a concordância dos dois.

boudoirvietnam
Como sou bem mandado, usei as mãos, os dedos e todo o meu engenho e arte para descobrir os mistérios e segredos daquele corpo maravilhoso, tanto nas formas, quanto na cor e textura. Demorei algum tempo naquela encantadora pesquisa até que ela entrou em orgasmo, pode até ser fantasia da minha parte hoje em dia, mas até o seu orgasmo, com pequenos rugidos, contorções e palavras entrecortadas, era estimulante e bonito de se ver. Assim que se acalmou, virou-se para o meu lado beijando-me, cobriu-me com o seu corpo que parecia uma máquina de massagem. Uma massagem que seria total e plena quando começou a também explorar o meu corpo com sua língua, dedos e mãos. Quando ela, finalmente, conseguiu ultrapassar as minhas defesas interiores e me levar ao gozo, tive a sensação de que ela podia prolongar o meu prazer o quanto ela quisesse e quando atingi o auge, urrei, gritei e me mexi como nunca tinha feito. Depois senti uma lassidão que me prostrou, só reduzida porque a Christine gentilmente tinha se enrodilhado em mim, dando-me calor e carinho sem dizer uma palavra, só me abraçando e enroscando suas pernas no meu corpo.
Aí, depois de certo repouso, em que tomamos mais um pouco de vinho, ela pediu para que eu deitasse e tentasse limpar a mente, não pensar em nada. Tentei e ela notando que eu não conseguia, começou a dizer algumas palavras em vietnamita, que embora nada entendesse foram me acalmando e pronto, deixei de existir por mais de meia hora. Não houve sonho, só o nada. O completo repouso. Recobrei os sentidos com ela deitada ao meu lado, passando as mãos pelo meu corpo. Em seguida, depois de uma massagem completa, tomamos banho numa imensa banheira, escondida num salão todo decorado com motivos florais em cores bem suaves. Voltei para o hotel  sentindo-me quase uma outra pessoa, tal era a tranqüilidade sentida.
Durante uns dez dias ficamos numa rotina de relaxamento, respiração e conversas. Ela me explicou que tinha notado que eu só conseguiria ter ereção plena se sentisse confiança nela, portanto era preciso que eu a conhecesse bem e me sentisse livre de qualquer desconfiança. Fiquei surpreso com a capacidade de observação dela, pois, já lidei com algumas namoradas que foram incapazes de notar esta minha característica. Um traço que até hoje permanece e que considero fundamental, pois, o meu corpo, sem que eu mesmo saiba os porquês, sempre se recusa à prática do sexo ao menor sinal de algo estranho ou pouco claro. E nessas vezes em que isso tem acontecido, sou obrigado a pensar e repensar até encontrar as razões e motivos disso tudo. A Christine explicou-me que era o meu Qi, uma força interna da gente que interage com tudo, principalmente com as outras pessoas. Se a outra pessoal for hostil, o Qi logo se manifesta fazendo com que adotemos uma atitude defensiva e se houver confusão, ele anula diversas sensações que a gente tem normalmente. O fato é que com Qi ou sem Qi continuo desse modo até hoje.
Um dia, pediu-me para que eu tentasse sozinho fazer todos os exercícios respiratórios e de relaxamento. Assim foi durante mais uns três dias. No quarto dia, cheguei normalmente e já me preparava para fazer as mesmas coisas, quando notei que dessa vez, além dela estar mais perfumada, na mesa havia comida e mais bebidas. Como eu não sabia o que fazer, ela se aproximou, beijando-me e abraçando-me, levou-me até a cama, continuamos a nos beijar e a fazer carícias um no outro. Ela, sem se afastar por nenhum momento do meu corpo, deslizava as mãos e a língua por toda a minha genitália. Sugava o meu pênis como se fosse um sorvete e a cada vez em que pressentia a erupção do gozo, interrompia-a como uma leve pressão. Ao mesmo tempo fazia o movimento de rotação, deixando-me a sua úmida vagina próxima da minha boca. Era uma vagina capaz de movimentos e contrações que se aceleravam com o gozo, além de um agradável gosto e cheiro.
Aí, quando sentiu que o meu grau de excitação era bem alto, pediu-me para que a penetrasse e acompanhasse o ritmo da respiração dela. Foi o que fiz e quando chegamos ao clímax tive a maior sensação de prazer que até hoje senti. Vi estrelas explodirem na minha cabeça e a sensação de flutuar no espaço, junto com um prazer que vinha aos borbotões, como fortes ondas. Era tão poderoso o que estava sentindo que nada, mas nada mesmo havia na minha mente, além daquela inominável sensação de prazer. Juro que se tivesse morrido naquele momento, seria o mais feliz dos mortos de toda a história da humanidade. Ficamos nos vendo até a data do meu retorno. E ela nunca aceitou dinheiro ou presente meus, ela ria e dizia que estava sendo regiamente paga por mim. Que ela tinha recebido o maior pagamento possível, pois, eu estava para sempre dentro dela, da mesma forma que ela sempre estaria em mim. E foi assim que a Guerra do Vietnam terminou para mim, com fantásticos fogos de artifícios estourando na minha cabeça e talvez com a maior lição que já tive até hoje sobre o amor físico. Ou mesmo talvez do próprio amor. caidasaigon

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Foi assim… – XV-

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Um depoimento:
Minha passagem pela Crítica
Por Antonio Oséas                                    antonioosea
Desafiado pelo velho camarada, colega e amigo Pedro Ayres – um dos mais eficientes e corajosos jornalistas que conheci ao longo desta minha já longa vida – resolvi recordar um pouco do que a memória guardou de minha passagem pelo semanário Crítica, que circulou entre 1974 e 1975.
Meu primeiro contato com o jornal foi como devem ser os contatos iniciais dos leitores com os jornais: numa banca. O nome me atraiu, a capa (era o segundo número) despertava atenção. Comprei e, por deformação profissional, fui direto ao Expediente. Ali via que o diretor era um querido amigo, o já veterano e consagrado poeta Gerado Magella de Mello Mourão, o Mourão. Pai de dois amigos – Gonçalo, hoje diplomata e Tunga – artista plástico de renome internacional, Mourão foi que me apresentou, com cartas extremamente generosas, a diversas pessoas do Chile quando tive que sair do país e buscar abrigo em terras andinas.
Mas voltando ao Crítica… Comprei, li e imediatamente mandei uma carta (coisa que as novas gerações desconhecem o que seja, nestes dias de e-mails, internet etc) cumprimentando pela iniciativa. Vi que o jornal prometia ser um instrumento de resistência ao arbítrio e uma ferramenta para jornalistas sérios exercerem aquilo que de mais precioso têm, a Liberdade de Expressão, mesmo em época de censura.
Uma semana depois, estando no centro da Cidade, resolvi visitar o Mourão. Foi quando pela primeira vez entrei na pequena redação de Crítica, no Edifício Avenida Central. Passei para dar um abraço no Amigo a quem não via há tempos. Não sabia que aquela pequena sala seria meu endereço profissional por dois anos.
Cheguei num dia movimentado: estavam acontecendo mudanças na equipe e minha Amiga Antonieta Santos, por razões que desconheço até hoje, deixava o jornal que editava com seriedade e competência. Em seu lugar estava entrando Inácio de Loyolla Alencar, um cearense radicado na Bahia (e depois no Rio), a quem conheci naquela tarde. Imediatamente fui convidado para ser um “colaborador fixo” do jornal. Passei a assinar uma página, inicialmente dedicada à Música Popular, além de colaborar com uma das mais saborosas “colunas” (na verdade, duas páginas), a “Esquina”. Era uma construção coletiva onde cabiam todos os tipos de notas rápidas, abrangendo qualquer assunto, sempre com um foco crítico.
Inácio, de quem me tornei amigo e que faleceu há poucos anos, foi me apresentando aos demais companheiros, dos quais destaco Pedro Ayres (de todos, o único de quem me tornei amigo, mesmo depois do fechamento do jornal), e que, meses depois, me apresentaria àquela que seria a mãe de meus dois filhos.
Em poucos meses fui “intimado” a assumir a Secretária Gráfica do jornal, acumulando com o pomposo título de Editor de Letras e Artes (seja lá o que isto signifique…). Foi um ótimo tempo. O jornal era composto e impresso na velha Última Hora da rua Equador (já sob o comando de Ary de Carvalho), ali atrás da Rodoviária Novo Rio. Havia um cronograma bem feito de encaminhamento de matérias, fechamento de páginas que eram enviadas para a gráfica. E minha rotina passou a ser ficar as quartas e quintas-feiras acompanhando a montagem até que o jornal saia da rotativa. Tínhamos uma “briga” feia com um forte e poderoso concorrente, O Pasquim, que também rodava de quinta para sexta. Como tinha tiragem bem maior, ele era o “cliente preferencial” da Arca Editora (este, o nome “oficial” da Última Hora).
Mas logo fiz amizade com o pessoal da composição (que começava a ser informatizada: o chumbo desaparecia e dava lugar à fita perfurada, como as dos velhos aparelhos de telex). Da composição (ou “perfuração”), as “tripas” de matérias iam para a montagem, chefiada por uma simpática profisisonal, a Rosa, com quem mais tarde trabalhei no Jornal do Commercio). E a turma toda já “vestia a camisa do Crítica”. À medida que as páginas eram montadas, a Rosa se aproximava e brincando dizia: “Confere e coloca aí o A de Oséas”, brincando com minha rubrica…
Claro que essa intimidade com a turma era abastecida (depois do expediente) por algumas boas cervejas geladas num pé sujo da esquina. O fato é que, em pouco tempo, o Pasquim só rodava depois da Crítica…
E aí eu pegava uns dez exemplares e ia, religiosamente, encontrar o Pedro Ayres no Degrau, um barzinho do Leblon, nas semanas em que ele por aqui passava. Ele via o jornal antes mesmo do dono… E para nossa alegria, o jornal era exposto nas paredes a pedido do próprio Manolo.
Mas sobre o jornal propriamente dito, algumas palavras: difícil hoje para um profissional entender que eu conseguia viver (e relativamente bem) só com o que ali ganhava. Não lembro os valores, mas eu recebia semanalmente um determinado valor pela coluna (que aumentava quando a matéria ocupava duas páginas e virava chamada de capa) e mais um outro valor, este fixo, pelo trabalho de Secretaria Gráfica.
O jornal ficava cada vez mais respeitado, inclusive pelos “concorrentes”, Opinião e Movimento, os principais. E isto porque NÃO PRATICAVAMOS A AUTO-CENSURA, o que muitos faziam. Mas também não éramos carbonários, porra-loucas. Era importante preservar aquele espaço de resistência democrática. Com inteligência tínhamos uma excelente (e hoje constato, corajosa) cobertura jornalística, principalmente a internacional, cujo editor era Pedro Ayres.
No campo político nacional éramos um “porta-voz não oficial” do MDB. Nas eleições de 1974, nosso jornal, sem panfletarismo, foi um instrumento da oposição séria. No dia da eleição – quando a Arena levou uma surra que não esperava –, incontáveis pessoas nas filas de votação tinham o Crítica nas mãos. Em cada página uma grande foto e uma chamada, tipo “|Pernambuco, vote em Marco Freire”, ‘Rio, vote em Lysâneas Maciel” e por aí…
Pena que os parlamentares eleitos não tenham ajudado o jornal. E ajudar aí não significava uso de verbas oficiais, mas sim que cada um comprasse um número determinado de assinaturas para distribuir em seus redutos eleitorais. Isto teria dado uma sobrevivência ao jornal.
E como era esta sobrevivência?
Nos primeiros tempos havia sempre um “papagaio” liberado pelo José Aparecido Oliveira, do Banco Nacional (na época ainda ‘de Minas Gerais”) que garantia o pagamento da gráfica e dos profissionais.
Não sei o que houve, mas um “acordão’ político colocou um cacique nordestino, o ex-governador Aloysio Alves, do Rio Grande do Norte, dando as cartas no jornal. E aí começaram os atrasos de pagamento, as tentativas de influenciar a orientação editorial etc. Gerado Mourão sempre repudiava essas tentativas, mas o poder econômico fala mais forte…
Bem, aos trancos e barrancos, dinheiro atrasando, mas saindo, prosseguimos até nosso último número, exatamente aquele em tinha como capa o Geisel anunciando a assinatura dos chamados “contratos de risco” da Petrobras… O pronunciamento do presidente estava programado para a noite de quinta-feira, quando o jornal já estaria entrando em “máquina”. O jeito foi prepararmos duas edições: uma anunciando a traição ao monopólio estatal e outra comemorando o recuo do governo. Valeu a primeira opção.
E Crítica nunca mais circulou.
Relembrando, tenho saudades, dos amigos, do velho e querido Adão Pereira Nunes, um patriota, médico que (talvez até por isto), me entregava para datilografar (tempos anteriores aos computadores) seus artigos, saborosos, mas com uma letra…
Jesus Soares Pereira, um dos pioneiros da luta pelo petróleo, Roland Corbisier, João Carlos Rodrigues, muitos companheiros de Crítica que combateram o bom combate e exerceram durante dois anos um jornalismo sério, tão inteligente que nunca foi censurado, porque a inteligência falava mais alto. E os censores não primavam por ela…
Há poucas semanas estive na Biblioteca Nacional que deveria ser a guardiã de nossa memória impressa, procurando pesquisar os exemplares de Crítica que incontáveis mudanças de endereço extraviaram de minhas coisas. Pois bem, e apesar de cumprirmos rigorosamente a lei, encaminhando toda semana, dois exemplares para aquela instituição, há poucos exemplares ali guardados e em péssimas condições físicas…

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Foi assim…-XIV-

angolacrítica

O semanário “Crítica” foi o estranho caso de um real jornalismo independente. Rompeu o círculo de giz traçado pela ditadura, quanto por um grupo aliado a setores da esquerda tradicional e incrustada nos meios de comunicação. Era como se houvesse uma norma estabelecendo que fora dos esquemas do “Opinião” ou do “Movimento” não era possível nenhum outro tipo de jornalismo de combate. No “Crítica” o que era impossível, tornou-se real por muitos meses, com  um corpo profissional bem eclético em termos políticos – da democracia social cristã ao marxismo. Do ponto de vista redacional, foi uma bela experiência de jornalismo autoral, em que a partir de cada comentarista, tornava-se possível distinguir até escolas e nuances literárias, tal a qualidade de estilos e processos de abordagem dos temas. O mais importante, o que permitia que houvesse o coletivo empenho na realização desse jornalismo independente, era a desassombrada coragem de seu diretor/fundador, Gerardo de Mello Mourão e de seus dois editores-chefes, Antonieta Santos e Inácio Loyola de Alencar. A Antonieta em sua fase inicial e o Inácio Alencar até o fechamento do jornal. 
Lembro do Efraim Tomás Bó, que trazia a sua poética e humanidade à flor da pele, do Virgilio Moretzshon, do Antonio Carlos Villaça e sua emotiva sensibilidade religiosa, do Reinaldo Bairão, do Antonio Oséas, que também fazia as vezes de secretário grafico, do João Carlos Rodrigues, do Mauro Santayana, do Jesus Soares Pereira, do Adão Pereira Nunes, do Florestan Fernandes, do Ruy Sampaio, do Roland Corbisier, da Tania Coelho, do Orlando Senna, do Abdias do Nascimento, do Sebastião Nery, do Alberto Silva, da Lillian Newlands, de velho amigo e companheiro Jocelyn Brasil (Pedro Zamora), da amiga e colega Maria José, a nossa criativa diagramadora, que junto com o Inácio Alencar, fizeram com que o “Crítica”, além do seu conteúdo, fosse uma belezura gráfica, principalmente porque incorporava as lições do grafismo brasiliero que se desenvolvia desde Goeldi e Ismael Nery.

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É engraçado, mas um dos maiores elogios que recebi como jornalista, não foram expressos em palavras, mas em atos. Aconteceu quando o Gerardo, de viagem marcada para as suas indefectíveis férias no verão grego, pediu-me para escrever os editoriais do “Crítica” assinando os textos como se fosse ele. Foi um desafio e uma honra ao mesmo tempo. Um desafio porque significava ser reconhecido como alguém tão talentoso quanto ao uso das pretinhas. Uma honra, pois, embora fôssemos amigos, ele demonstrava plena confiança de que eu manteria a mesma linha crítica e a sua fina ironia ante algumas personalidades e figuras daquele momento ditatorial, o início do governo Geisel. Um dos melhores momentos do “Crítica” foi sua claríssima atitude em defesa do voto no MDB, num claro combate aos resquícios esquerdistas que pregavam o voto nulo. A posição do “Crítica” foi aberta e concreta no apoio daqueles candidatos que considerávamos mais nacionalistas e progressistas, tanto que durante aquele curto momento, o jornal passou a contar com o apoio e ajuda do brigadeiro Francisco Teixeira. Os resultados foram os seguinte: Senado, 16 MDB e 6 ARENA; Câmara dos Deputados, MDB 161 e ARENA 203. Enfim, um resultado que ao fortalecer o MDB possibilitou a “gradual abertura” política patrocinada por Geisel e pelo futuro governo Jimmy Carter.  
Um início de governo bem sintomático do que seria o restante. Eram os tempos do Gerald Ford, aquele político que Lyndon Johnson afirmava ser incapaz de mascar chicletes e andar ao mesmo tempo. Gerald Ford, chegou à presidência dos Estados Unidos em virtude de dois escândalos políticos envolvendo a Casa Branca. O primeiro com o então vice-presidente Spiro Agnew que, acusado do crime de evasão fiscal, renuncia e Gerald Ford é escolhido para substituí-lo pela cúpula do Partido Republicano e com a aquiescência de Richard Nixon, o presidente. Um presidente que também renunciaria para evitar o vergonhoso episódio político de um impeachment em virtude do Caso Watergate.  Enfim, Ford tinha a árdua tarefa de limpar a sujeira política produzida e deixada por Nixon, bem como tentar reerguer a moral estadunidense,  abalada que estava com a derrota no Vietnam e as graves acusações de genocídio que pesavam sobre suas forças armadas. Foi uma tarefa tão difícil quanto a limpeza das Cavalariças de Augias.
Como todos estávamos com as vistas voltadas para os escândalos políticos e a derrota militar dos Estados Unidos no Vitenam, por nenhum momento demos a devida atenção à grande mudança havida nos processos de acumulação capitalista, quando houve a consolidação daquilo que Eisenhower chamou de “complexo militar-industrial”. Uma ligação que será soldada quando o sistema financeiro passa a ser um dos vetores desse esquema de domínio e poder. O interessante é que esse processo dar-se-á por força das transformações na correlação entre o poder político industrial e o cada vez mais abrangente setor financeiro, que de simples financiador das atividades produtivas, transmuta-se em ponto estratégico para o novo conceito geopolítico de hegemonia e poder do imperialismo. Um imperialismo que cada vez mais se aproximava de uma versão universal do sistema, em que os Estados, ora são desnecessários, ora são instrumentos táticos para esse sistema. É, pois, a partir desso tipo de economia política que o eixo da política externa sofrerá mudanças com o futuro governo James Carter, em que há sensível redução nas práticas de “big stick” de Nixon-Kissinger.

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Como já não havia mais nenhum apelo à prática política e tinha mais tempo para o jornalismo investigativo, ampliei o meu leque de ação profissional. Já não me bastava o cone sul, nem a América Latina, agora queria saber e ver mais sobre o mundo. Um mundo que se transformava quase que diariamente. Hoje, duas décadas e meia depois, é que consigo ver o que realmente estava a acontecer pelo mundo. De um lado havia uma luta de libertação, de descolonização e de redução do poder imperialista. Do outro, havia a realidade objetiva de um sistema que estava a determinar um novo padrão de hegemonia e de exploração capitalista. Pode-se dizer que vivíamos uma etapa de transição capitalista, em que até as clássicas contradições internas do próprio sistema ao serem minimizadas em suas exteriorizações, quase que deixavam de existir, o que nos induzia ao erro de ver debilidades, quando o que havia era uma forma de “re-aggiornamento” imperialista, com a gradual hierarquização desse poder que emergia hegemônico e concentrador.
Enquanto, para nós na América Latina, o quadro se restringia a um desigual combate contra o imperialismo e seus agentes ditatoriais, na África e na Ásia, o quadro era bem outro. Na África, por exemplo, que vivia desde os anos 60 uma forte luta descolonizadora, tinha momentos em que ficavam bem distintos e definidos os sinais daquela nova realidade. Isso era bem claro que para o novo centro hegemônico, assim como era importante assumir o controle e domínio econômico da região, também tinha muita força o enfraquecimento do que ainda restava de hegemonia imperial-colonialista de algumas potências européias. Na Ásia, como resultado da II Grande Guerra Mundial, há o fim do Japão como força capitalisa hegemônica autônoma e expansionista e a aparição de novos agentes políticos e econômicos, como a URSS e a China Popular.

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Uma situação que parecia estar consolidada com as derrotas dos Estados Unidos (Coréia e Vietnam) e França (Indochina).  Um processo que teve início com o final da II Guerra Mundial, com a destruição dos velhos e poderosos impérios coloniais, como o do Império Britânico, que, para evitar uma crise maior em seus sistema, preferiu criar um modelo plurinacional que ele intitulou de “the Commonwealth of Nations”, em que quase todos os anéis foram perdidos, mas, felizmente para ele, ficaram os braços, as mãos e os dedos para continuar a rapina. Foi evidente a modificação no quadro geopolítico mundial após 1945 e, principalmente, com o fim das duas grandes guerras asiáticas – Coréia e Vietnam. Embora fosse um movimento político muito forte, como a sua matriz ideológica era pouco clara, a despeito de certo lavor de esquerda, a luta pela descolonização pecava pela falta de algo essencial para que desse certo –  compreender a própria realidade e a partir dela elaborar uma nova economia política como forma de construir o futuro.

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Assim, munido desse arsenal de informações e algum pensamento crítico, dei início ao que seria um rico período como analista de política internacional para o “Crítica”.  O meu objetivo era ir a Europa e de lá viajar pelo Oriente Médio, a Ásia e a África. Na África estive em Moçambique e Angola, metendo a minha colher torta naquela confusão, ainda que de forma bem modesta, ajudei-os em termos de propaganda e imprensa, junto com vários outros colaboradores estrangeiros. Essa foi a minha contribuição às guerras anticoloniais e de libertação. Uma ajuda que eu pensava ser ultra-secreta, entretanto, para a minha surpresa era do conhecimento de setores da direita militar brasileira, provavelmente ligados à CIA, pois, os serviços de inteligência das Forças Armadas brasileiras não souberam de nada àquela época, tanto que essa informação só veio a público em 1983, quando fiz parte do Governo Brizola, no Rio. 
    Faz muito tempo que estive lá pelas bandas de Angola e Moçambique. Foi em novembro de 1975, depois de um período em Lisboa, quando procurei saber mais sobre aquela parte da África banhada pelo Índico e áquela que o Atlântico banha. No caso de Moçambique foi bem interessante, pois, dentre as personalidades mais faladas, houve uma que me chamou a atenção – o na época Gal. Otelo Saraiva. Segundo alguns, era uma fraude política, embora fosse um audacioso aventureiro. Para outros, era um líder de grande envergadura e muito importante para a Revolução dos Cravos. Conversei com majores e capitães, como Antunes, Vítor Alves, e só obtinha informações parciais. Um dia, após conversar com Álvaro Cunhal, que me explicou a dificuldade do MFA em ter uma linha de análise sólida sobre o que acontecera na África portuguesa. Embora a maioria dos militares fosse real defensora da independência das ex-colônias, como muitos tinham sido soldados naquela guerra, culpa e dor tornavam difíceis quaisquer tipo de análise, passei a aceitar e entender aqueles problemas.

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        Então, com informações truncadas ou deformadas pela emoção, cheguei a Maputo disposto a aprender em termos práticos. Foram 40 dias bem intensos. Dias divididos entre a conversa com dirigentes da Frelimo, inclusive Samora Machel, e pessoas comuns, o que incluía os portugueses que por lá estavam. Senti que Samora Machel tinha razão quando me disse que a Revolução ainda seria algo mais demorado, pois, o acordo de Lusaka apenas garantia o início da descolonização e a finalização da luta libertadora. Mesmo ao conversar com portugueses e descendentes que nutriam alguma simpatia pela Independência do país, notava que seria muito complicado transformá-lo em um país socialista, ora por seus problemas internos, ora por força das pressões feitas pela Rodésia, África do Sul e pelos países imperialistas, que detinham o controle de toda a economia continental.
    Mais tarde, já na Europa, tive a absoluta certeza de que tanto Moçambique, quanto Angola, ainda iriam sofrer muito pela ousadia da libertação colonial. Hoje, após, ler os textos que publicam alguns periódicos moçambicanos e angolanos, é fácil entender que os 16 anos de guerra civil-invasão deixaram muitas seqüelas e fortaleceram o que era para estar frágil, que é o capitalismo, tanto que em alguns jornais de Moçambique  só faltam escrever Lourenço Marques ao invés de Maputo.

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Angola, a “cornucópia da África” nos dizeres do almirante Rosa Coutinho, por ser a chave para a descolonização africana, principalmente do sudoeste do continente e por ser imensamente rica, teria um processo de libertação que levaria décadas para ser concluído. A inescrupulosa ambição dos Estados Unidos e de algumas potências européias mantiveram o país sob guerra até o presente século, embora já não mais existissem nem a FLNA, de Holden Roberto, nem a Unita, de Jonas Savimbi, a região de Cabinda, fronteira com o Congo, grande produtora de petróleo ainda é sacudida por tropas mercenárias a serviço das transnacionais petrolíferas.
Quanto à Ásia, tive o privilégio de poder cobrir as férias de um colega no Vietnan. Foi por curto tempo, apenas um mês, mas que me valeram por uma vida toda. O único senão é que perdi a queda de Saigon apenas por um mês. Saigon caiu em poder dos vietcongs em fins de abril de 75 e eu fiquei só até o dia 4 de abril. É evidente que não ousei ir para as frentes de combate nas portas da cidade. Não havia nenhuma necessidade, a guerra era total e generalizada em Saigon, atentados e bombas nos mais caros restaurantes era uma regra. Era preocupante freqüentar lugares públicos, pois, havia sempre o risco de pegar as rebarbas daquela guerra. Para piorar mais esse quadro de insegurança, ainda sofríamos pressões por parte dos americanos e de suas agências de notícias no sentido de unificar o noticiário. Um dos aspectos mais divertidos era a fantasia da segurança dos americanos e as constantes mentiras sobre o andamento da guerra. De acordo com as informações prestadas pelos porta-vozes do Pentágono ou da CIA o Vietnam ainda está sob o controle dos Estados Unidos.  O azar deles é que, diariamente e sem falhar nunca, recebíamos em nossos quartos de hotel um minucioso e completo relato do que acontecia no front, além de informes políticos dos Viet-congs. Fora a qualidade da informação, sempre verdadeira, era primorosamente redigido e impresso. Uma obra-prima de trabalho clandestino.

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    Nós, os jornalistas independentes, sob a lúcida e brilhante liderança de um australiano que entrevistara Mao Tsé-Tung e Ho Chi Minh, Wilfred Burchett, ríamos muito das tentativas que os americanos faziam para desacreditar o noticiário viet-cong. Esse australiano servia de exemplo para todos nós, os independentes, pois, ao contrário dos bobalhões da AP, UPI, dos jornais e revistas dos Estados Unidos que o consideravam um agente da KGB, coisa que o fazia rir e dizer que pagava na mesma moeda – todo jornalista americano é da CIA -, nós o respeitávamos muito. Sua vida profissional, iniciada quando da Segunda Grande Guerra mundial, era aventurosa por demais. Depois das peripécias pela Europa, cobriu a Guerra do Korea, viajou pela China do Mao e assistiu não só a derrota da Legião Estrangeira em Dien Ben Phu, mas o começo da participação dos Estados Unidos. Foi por meio dele que montei um bom sistema de informação que saía de Saigon, passava pelo Cambodja, Laos, Tailandândia e  Hong Kong.  Juro que já sabia mais do que estava se passando no “Triângulo  de Ouro”(Tailândia, Vietnam ou Cambodja e Birmânia) do que a maioria dos correspondentes norte-americanos e europeus. Foi desse modo que tive o primeiro e real contato com a estreita ligação entre os serviços de inteligência dos Estados Unidos, suas tropas especiais e as máfias ou tríades do crime no Oriente capitalista, algo que vinha desde os campos de papoula da Turquia e estava se transformando em fator de fortuna e um sub-orçamento para as operações encobertas ou sujas dos Estados Unidos.

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