Arquivo do dia: janeiro 15, 2011

Foi assim …..-V-

Palacete Bolonha

– Um pequeno interregno –
Há na questão do Pará que antecede o Golpe de 1964, fatos e narrativas que se não se contrapõem, têm características dissonantes, pois o quadro real desmente um bocado daquilo que foi implantado pelos serviços de inteligência do Brasil e estadunidenses. É claro que só a habilidade de tal ou quais agentes não criaria nenhum quadro positivo para seus objetivos, fazia-se preciso o apoio de uma determinada realidade sócio-econômica. Uma realidade que tivesse base na própria estrutura de conformação histórica do Estado, principalmente, depois do Ciclo da Borracha, que durou cerca de 50 anos, de 1870 a 1920, uma etapa bem específica da revolução industrial no Brasil equatorial. Os primeiros trinta anos do Ciclo da Borracha foi a época em que surgiram poderosas fortunas e fez com que a região amazônica tivesse a sua Belle Époque em termos urbanos, como Belém e Manaus podem atestar, porém de extrema esterilidade projetiva em termos de produção e capitalização.
O problema veio depois, quando se descobriu que grande parte da riqueza daquele Ciclo foi absorvida por empresas exportadoras, quase sempre estrangeiras e que não haviam permitido o desenvolvimento de nenhum tipo de atividade econômica produtiva consentânea com aquele momento da Revolução Industrial. Como a comercialização e os sistemas de financiamento estavam concentrados em grandes empresas estrangeiras, o resultado foi a inexistência de poupança ou a formação de capital excedente, o que poderia assegurar a continuidade do desenvolvimento industrial em outra escala. Assim, na região, principalmente o Pará, que era mais populoso, viu-se empobrecida e com uma oligarquia que se acreditava européia em tudo, por tudo.
É, pois, no rescaldo histórico desse período que o Pará volta a ser fortemente mobilizado em termos políticos, quando através da Revolução de 30, via Magalhães Barata, consolida-se o poder da oligarquia vinculada a Lauro Sodré. Uma situação que iria ter uma breve interrupção com o governo Alexandre Zacharias de Assumpção, mas que em essência em nada alterava o quadro de poder no Estado. Assim, como o Brasil ingressava numa etapa mais democrática e novas idéias começavam a arejar o Estado, logo são estruturadas entidades classistas, sindicatos e amplia-se a dimensão política das organizações estudantís como a UECSP e a UAP. Excelentes locais para o treinamento e até polimento de futuras carreiras políticas, pois, mesmo nessas organizações, aparentemente abertas, o processo de seleção e aproveitamento de lideranças obedecia aos cânones oligarcas. Um fato que passava despercebido pelos mais ilustres, combativos e engajados líderes estudantís, que encaravam o seu papel nessas entidades como uma espécie de mandato indireto dos poderes maiores, embora sem terem a mínima consciência disso tudo.
É claro que de acordo com a tradição histórica e social do Pará, dificilmente a elite se voltaria contra si mesma, e o movimento estudantil que pesava era a oligarquia na sua faixa etária adolescente e quase adulta. Alguns dos fatos acontecidos antes, durante e depois do Golpe de 1964, por incrível que pareça têm a sua origem numa festa cívico-universitária, que foi o XVIII Congresso da UNE, menos por seu significado de rompimento da hegemonia da direita na entidade, mas, principalmente, no caso do Pará, pela ascenção de um grupo político liderado por Oziel Carneiro, presidente da UAP, que teria forte ascendência e controle político sobre os que tentavam fazer política naquela entidade. Era uma situação bem confortável para a oligarquia, pois, ao mesmo tempo em que desenvolvia os pendores políticos de seus delfins, assegurava a tranquilidade da inexistência de surpresas desagradáveis aos seus interesse imediatos e futuros.
Esse grupo, que pretendia ser de natureza nacional, na realidade representava as ambições de amplos setores pequeno-burgueses que viam naquela espécie de “rito de passagem” politico, uma ótima oportunidade para consolidar ligações, criar apoios e definir até os rumos profissionais de suas vidas. Mas, para isso, a conditio sine qua non estava em jamais permitir o aprofundamento de propostas e projetos políticos que abalassem a base econômica e social do país. A lógica do “grupão”, como eles se auto-denominavam,  quando das escolhas dos presidentes da UEEs e da UNE, era o pragmatismo. Um quadro que aos poucos foi se erodindo por si mesmo, tal era a sua incapacidade para propor algo além do simples assistencialismo ou das alianças com lutas populares imediatistas, como os aumentos dos preços das passagens dos ônibus ou bondes.
Na UAP essa relação se tornou bem clara em dois momentos. Um, quando o Conselho Fiscal da entidade, pretendendo fechar várias contas pendentes, descobriu que a gestão presidida por Oziel Carneiro simplesmente tinha deixado para as calendas o trabalho de prestar contas sobre o XVIII Congresso da UNE, um fato que atrapalhava as duas entidades. Embora o objetivo do Conselho fosse apenas resolver aquele problema, de uma hora para a outra os mais importantes líderes universitários vinculados à direção da UAP logo se materializaram num orgão, que todos consideravam apenas como um necessário décor estatutário – o Conselho Fiscal.  Ramiro, Juba, Mário Sérgio e Amílcar eram os mais interessados em que aquilo fosse tratado não só com o máximo sigilo, mas que se reduzissem os efeitos políticos, tanto no meio universitário, como em Belém. Foi, pois, a partir desse fato que a UAP começou a viver sob um outro apelo político, bem diferente da demagogia do “grupão” e tudo começou em 1960,  com uma reunião na Escola de Química Industrial, quase ao lado do Teatro da Paz.
O segundo momento foi durante a crise política provocada pela renúncia do Jânio Quadros, em 1961. A UNE, desde a eleição do Carlos Veloso, vinha tendo o seu eixo de atuação política paulatinamente modificado, no qual as lutas ganhavam mais substância e integração com as necessidades político-econômicas da sociedade brasileira. Assim, quando eclodiu a Crise da Legalidade, em agosto de 1961, a UNE estava sob o comando de Aldo Arantes, da Ação Popular, um movimento saído das entranhas da Juventude Universitária Católica, que em aliança com os Partidos Comunistas e outras organizações de esquerda, passaram a definir mais do que uma linha política para o movimento universitário, a determinar rumos e modelos para o desenvolvimento econômico, político e social do país. Uma situação que iria fazer com que a UNE pública e claramente apoiasse com  armas bagagens a luta de Leonel Brizola pela Legalidade. 
Em Belém de 1961, época em que estava se configurando uma importante aliança no movimento universitário, da JUC e do PCB, numa espécie de reprodução do figurino nacional, coube ao “grupão” um papel que só hoje se pode entender direito. No afã de garantir mais força política e até maior representatividade ante outros grupos sociais e políticos que estavam a surgir, aceitou o monitoramento dos seus atos e da UAP por parte do Serviço Secreto do Exército (S-2), através de inúmeras conversas com o major Jarbas durante todo o processo. Como o major sabia que não era possível se contrapor à Luta pela Legalidade, com sutileza tentou amortizar todas as manifestações, sempre insinuando represálias e punições por parte dos famosos “bolsões radicais”.
É evidente que aqueles universitários, que céleres e alacremente corriam para reuniões de capa e espada,  jamais se viram como tal e se algum dia chegaram a desconfiar de tudo tinha sido assim, deixaram de lado, pois, a aliança com o novo poder tinha se iniciado naqueles dias. Entretanto, como a História não espera que a gente saiba o que está a acontecer,  após a Crise da Legalidade há uma forte movimentação dos setores direitistas e liberais no sentido de conter ou eliminar o crescimento das forças populares que tinham emergido e se consolidado como representantes do povo durante a Crise. O resultado foi o que todos conhecem, rios e rios de dólares sendo despejados para criar bancadas parlamentares interpartidárias de direita  e uma pregação golpista sistemática e violenta. Haroldo Veloso e Juvêncio, por exemplo, foram alguns dos apoiados pelo IBAD no Pará.
Para vários setores do “grupão”, tanto no Brasil, quanto em Belém,  ficava difícil confessar serem anti-comunistas, assim, o jeito era adotar aquela velha política das oligarquias: desacreditar e desmoralizar todos os que se mostrassem contra aquele quadro, como forma de luta. Uma prática em que mostraram grande expertise e habilidade na dissimulação de seus propósitos, propósitos que ficarão bem claros quando vêm à tona as denúncias forjadas naquele documento “apreendido” no Sindicato da Petrobrás. Esse “documento”, em termos concretos, era apenas mais uma jogada política para isolar o PCB que, graças a líderes como Chico Costa, Raimundo Jinkings, Bené Monteiro, tinha aberto novas possibilidades políticas para os movimentos populares e entidades de massa. Algo que foi provado com a grande mobilização quando da luta contra as termelétricas, durante o governo Aurélio do Carmo e pelo expressivo crescimento do PCB no movimento universitário. Com esse “documento”, que generosamente poupava todos os que não fossem do PCB, abria-se o baú de maldades e se consagravam novas, futuras e permamentes alianças.
Creio que só a partir da análise desses fatos é que é possível compreender parte da política paraense. Uma política que parecia fazer parte da divertida novela de G. K. Chesterton , “O Homem que foi Quinta-Feira”, tais os claros, escuros e cinzas dos ardís montados pelos serviços de inteligência. Urge botar luz nos fatos e mostrar as cores todas. 
Links necessários:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Servi%C3%A7o_Federal_de_Informa%C3%A7%C3%B5es_e_Contrainforma%C3%A7%C3%A3o
http://www.scribd.com/doc/43916384/Golbery-a-genese-e-o-fracasso-da-geopolitica-militar-no-Brasil
http://www.espacoacademico.com.br/035/35priori.htm
– fim do interregno –

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